segunda-feira, 17 de julho de 2017

REFLEXÕES SOBRE A CRISE

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Por Abdelaziz Aboud Santos                                                                                                    
Sobre o momento político e econômico atual, é bom que se diga que o Brasil não vai sucumbir à sua cruel conjuntura. No plano político, o menor trauma para o País teria sido a cassação da chapa Dilma/Temer pelo TSE, o que acabou não acontecendo. Em seguida, eleições constitucionais, sempre. Podem ser diretas ou indiretas, desde que respaldadas constitucionalmente. Indiretas, de preferência que a escolha recaia sobre alguém de fora do Congresso, tal a situação deletéria deste; se diretas - o que passa por emenda constitucional – vamos de novo à triste polaridade PT/PSDB, sem que um projeto de Nação parido pelas entranhas dos movimentos sociais seja oferecido à reflexão dos brasileiros. Nada de novo teremos, afinal. Neste cenário, bom seria que o Lula se candidatasse, pois, somente assim se conhecerá melhor o que pensam dele os brasileiros e saberemos melhor o País que queremos construir.
O Governador Flávio Dino, de quem fui eleitor, tem méritos suficientes para garantir espaço político nacional, e não precisa juntar-se a essa coisa marota que está aí. Melhor deixar com o Ciro Gomes e com o Lupi a torpe tarefa de bajular o Lula na tentativa de herdar seu legado político. Imaginem que estes senhores percorreram alguns estados na tentativa de reeditarem a Cadeia da Legalidade (sic) no propósito de garantirem o mandato da Dilma (já extinto). Não teem respeito por nada.
O Governador Flávio Dino não precisa disso. Respaldar o Lula apenas por convicção de que ele é sério e nada tem a ver com as acusações que lhe fazem é, no mínimo temerário. Da mesma forma que se critica o MPF por acusar o ex-presidente sem provas, mas apenas por convicção, também não é de bom alvitre engrossar o coro dos intelectuais que assinaram o infeliz manifesto a favor de sua candidatura precoce, também por convicção, deixando ao largo todas as apurações de possíveis falcatruas que este teria cometido. Foi preciso vir alguém de fora, a jornalista Carla Jiménez, para afirmar que “Lula feriu de golpe a esquerda no Brasil. Ajudou a segregá-la, a estigmatizar suas bandeiras sociais e contribuiu diretamente para o crescimento do que há de pior na direita brasileira”.
Brizola anunciou isso em décadas passadas, ao dizer que Lula era a esquerda que a direita queria. E mais: que Lula é a espuma do sistema, não se aprofundou nas questões essenciais; ele se inseriu por baixo e o FHC por cima, ambos defendendo as mesmas ideias. Na mesma linha de raciocínio Plínio de Arruda Sampaio em livro recentemente publicado (Crônica de uma crise anunciada: crítica à política econômica de Lula e Dilma) afirma: “Como o PT não mudou o Estado, o Estado mudou o PT. E assim o PT foi gradativamente se adaptando, se moldando às exigências do Estado e da burguesia brasileira, para se transformar no que chamo de “partido da ordem”, ou seja, que não questiona os pilares da ordem, mas que procura, dentro desta ordem, fazer o menos pior”.
Não aprovo boa parte dos posicionamentos da esquerda que está aí, embora respeite dezenas de amigos e pessoas sérias que estão nas ruas reivindicando isso ou aquilo. Filio-me ao pensamento e bandeiras da Internacional Socialista, da qual Brizola foi seu Vice-Presidente, sempre acompanhado do Darcy Ribeiro, Neiva Moreira, Jackson Lago e outras personalidades políticas desse jaez, insistindo em temas de significação mundial como o desarmamento, as relações Norte-Sul, a defesa do meio-ambiente e a crise econômica que vem castigando grandes contingentes da humanidade, com destaque para o subdesenvolvimento, a dependência e o endividamento dos países periféricos da nova ordem mundial do Terceiro Mundo.
Não se avistam céus de brigadeiro no cenário político brasileiro. Que talvez nunca tenham existido mesmo. Enquanto isso se amontoam as confusões e contradições de toda ordem, desprezam-se análises sociológicas capazes de dar conta de uma divisão inusitada no seio da própria classe trabalhadora. Difícil enquadrar o conflito entre multidões na teoria capital versus trabalho, ou rotular milhões de cada lado entre esquerda e direita.
O que estaria acontecendo? Haveria algo ainda não bem interpretado, difuso e confuso, além da luta de classes em que se baseiam desde sempre as análises dos intelectuais de esquerda (espécie de cláusula pétrea da análise sociológica contemporânea) para explicar os atuais movimentos de rua, uma nova categorização sociológica possível? Ou simplesmente nos quedamos a olhar o cenário de um mundo em plena ebulição com os olhos do século XIX?
Precisamos sim de uma concertação nacional, deflagrada pela unidade de sentimento que nos conecta uns aos outros e que nos poderia guiar a um novo olhar para o futuro que desejamos construir. Que projeto é esse? Penso que é uma construção coletiva, reflexiva e dialógica, metodologicamente próxima do que nos ensinou Paulo Freire e nos ensina o mundo atual. O Brasil inteiro respiraria na desconstrução consciente dos velhos paradigmas que nos sustentam há séculos, enquanto tomaria fôlego na construção de um paradigma de mudança.
Será que as circunstâncias políticas atuais não estão a sugerir a superação do poder dos berços de ouro que tanto nos infortunam e que é a hora do contra poder popular, mobilizado por valores libertários de uma nova humanidade e de uma nova civilização? Que tomássemos distância da democracia representativa que está aí, guardando no seu seio partidos políticos que chegaram no limite e que, portanto, sinaliza para o surgimento de novas lideranças nacionais geradas nas entranhas mesmas do processo de reconstrução nacional?
Em palavras concisas, é hora de reinventar o Brasil que queremos. Pura utopia? Talvez! Mas para isso precisamos de capacidades múltiplas para sair do fundo do poço. Não é só uma questão de pensamento, de doutrina ou de ideologia. É também de conhecimento, de ação. Duas condições são focais para promover a superação da crise prolongada e disforme: a democracia e a justiça. Ambas em decadência profundas no Brasil e no mundo.
Quando o sistema judicial comanda a política e os outros poderes a quem a ação política está afeta perdem a capacidade de direção, a democracia entra em um denso nevoeiro, que poderá implodir o contrato social e promover profundo retrocesso na sociabilidade. O resultado disso é a contaminação dos valores éticos e a desmoralização das instituições de poder na sociedade: estado, empresas, governos, partidos e sociedade organizada.
É duro dizer, mas somos uma sociedade em que a corrupção é sistêmica, portanto se faz presente na vida social e nas instituições. O que assistimos hoje é a exacerbação do processo, em que o cinismo impera, motivado pela revelação das entranhas de um fluxo de corrupção danoso que imiscui o sistema político, a organização partidária e o setor empresarial. Um fenômeno que ocorre tanto no mais distante município, como nas margens plácidas do Jaburu, em Brasília.
Construir um projeto de nação em nosso país não é só uma atitude intelectual. É preciso que exista povo e cidadania ativa. Permeando tudo isso, que se sinta no epitélio e nas vísceras os eflúvios de um sistema democrático que funcione de fato. Não se superará a crise política apenas exercitando a dimensão dos imperativos categóricos decorrentes das refregas entre o bem e o mal. Estamos no buraco não por uma eventual incapacidade interpretativa, ou de interpelação a respeito dos subterrâneos da estrutura social. Tombamos por erros cometidos no passado recente e ainda não nos levantamos por incapacidade de enfrentar os problemas que contaminam o nosso sistema político, social e econômico.

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