sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Nova divisão internacional do trabalho e a crise de efetividade das normas da OIT

O encurtamento de distancias com o advento de tecnologias associado ao fim da polarização do mundo entre dois grandes blocos fortalecendo o sistema capitalista de produção favoreceram o que se convencionou chamar de globalização.
A interconectividade é essencialmente econômica. A grande comunidade, concebida com noção de integração social, está em plano secundário ou meramente fantasioso. Em seus efeitos, o sistema capitalista gera inevitáveis distanciamentos econômicos, gerando estamento social dentro das nações – ricos, pobres e miseráveis – e entre nações – capitalismo central e capitalismo periférico.
Eis o paradoxo: a globalização tem o pretexto de tornar o mundo uma aldeia global, encurtando distâncias, mas, ao mesmo tempo, mantém-se à distância de problemas sociais, especialmente no que se refere à desigualdade entre indivíduos e entre nações. O interesse é essencialmente de trocas comerciais – no sentido amplo – e nada mais.
Não se pretende a integração social; não desejam receber exilados; a guerra civil de determinado país é problema doméstico, exceto se alcançar o interesse econômico dos capitalistas dominantes.
A predominância das trocas mercantis em detrimento do valor humano é faceta mais evidente do processo de globalização.
Nesse cenário econômico além-fronteiras, permanece a mesma ordem de outrora, de trocas injustas e desiguais, a exemplo da relação colônia versus metrópole.
Países em cenário de capitalismo periférico, entre os quais se encontra o Brasil, são fornecedores de mão de obra precarizante e barata, sustentando-se na economia da commodity. Na América Latina, esse cenário é mais evidente. Exemplo como Bolívia, Brasil, Argentina, Colômbia e Chile, que dependem de seus recursos naturais e do agronegócio.
Sua economia é impactada por qualquer flutuação de preços dos insumos oferecidos, ao passo que nos países de capitalismo central não há essa mesma flutuação, porquanto fornecem bens e serviços pautados na tecnologia.
A venda de tecnologia está em nossas vidas: sinal televisivo via satélite, que também permite a comunicação telefônica, monitoramento aéreo, eletrodomésticos (fabricados no país, mas de tecnologia importada a alto custo) etc., tudo comprado na base da injusta troca insumos versus tecnologia. Por isso a expressão “periférico”.
Qual seria o interesse em alterar a ordem mundial se aqueles que estão no comando desse jogo são os que mais ganham? Qual o interesse em tornar a América Latina desenvolvida a ponto de equilibrar melhor a balança entre insumos e serviços tecnológicos?
Por que não há prêmio nobel a cientistas latino-americanos? Falta de pesquisa, investimento, vontade política? A se pensar.
Da mesma forma que a mobilidade social em um sistema de estrutura capitalista de exclusão dentro de um país é de difícil ocorrência – a meritocracia é uma falácia quando grande percentual de seus habitantes não possui sequer alimentação suficiente para ser considerado saudável, não tem acesso a saneamento básico, saúde e, especialmente, educação capaz de se parear diante da pequena parcela abastada e assim assumir postos estratégicos na comunidade habitada -, entre as nações o cenário não é diferente.
O estrangulamento econômico ocorre por simples especulação financeira. A vulnerabilidade a que estão inseridos os países periféricos sufoca seu potencial, permanece estagnado, sem avanço, sob pena de sofrerem o que a autora canadense Naomi Klein chamou de doutrina do choque.
O contexto acima pode ser muito bem visualizado em países como Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul. Países integrantes dessa ordem social e econômica vigente: de altos, médios e baixos. Os efeitos são evidentes na forma de organização de trabalho: em países centrais, o trabalho é mais bem remunerado, intelectualizado e menos precarizante; nos países periféricos, mão de obra barata, terceirizada, precarizada e em sua maioria manual.
Na cadeia globalizante, surgem empresas igualmente globalizadas. Usando de analogia, essas empresas são como o corpo humano cuja cabeça está nos EUA ou na Europa, membros superiores em países periféricos com algum avanço e os membros inferiores naqueles países de condições de vida precária em que ter um emprego evita a morte ainda mais precoce.
São as empresas em rede, ou fábricas mundiais. Estruturadas para que haja escalonamento qualitativo na troca capital e trabalho.
Os membros superiores e inferiores fabricam em troca de salário hora ínfimo, consomem os mesmos produtos fabricados, porém, em evidente troca desigual, porque no valor do produto adquirido, além do valor de sua hora de trabalho, está imbuído o lucro da cabeça nos EUA ou na Europa.
Nos EUA ou na Europa estão os acionistas e seu corpo de delegatários, executivos ou, quando muito, empregados de colarinho branco, assumindo a exploração como forma de vida social e moralmente justificada nos padrões de vida capitalista. Neste mundo, a amoralidade – e não imoralidade – é um norte.
Portanto, essa divisão internacional do trabalho pauta-se nos processos e reterritorialização e desterritorialização da produção, ou seja, transferência de plantas e unidades produtiva – busca de isenções fiscais e níveis rebaixados de remuneração da força de trabalho; reconfiguração do espaço e do tempo de produção. Mas se agrava no contexto da desigualdade se considerarmos as mutações no plano da reorganização sociotécnica da produção.
A reorganização sociotécnica consiste na redução do número de trabalhadores, intensificação da jornada de trabalho, produção just-in-time, adaptação contínua.
O cenário sofre ainda mais abalo quando nos deparamos com o trabalho vivo sendo trocado pelo trabalho morto (tecnoinformacional), ou automação, a resultar uma massa de excluídos porquanto não há como sobreviver nessa aldeia global sem o poder de consumo, que a seu turno depende da troca – ainda que injusta – da mão de obra pelo sustento.
Citando Everaldo Gaspar L. Andrade, Márcio Túlio Viana, em seu livro “Para entender a terceirização”, 3ª edição, LTr, pág. 44, assevera:
“sempre que podem, as empresas saem em busca de países mais baratos para as suas parcerias. Há alguns anos, por exemplo, a Nike observava que podia fabricar por US$ 16, na Coreia, o mesmo tênis que nos EUA lhe custava perto de US$ 100. Enquanto isso, a Alitalia saía em busca de pilotos australianos, a Sears se deslocava para Bangladesh, a Daimler-Benz passava a montar ônibus em Xangai e várias fábricas francesas ameaçavam mudar-se para a Escócia, caso a legislação continuasse rígida”.
O mesmo autor defende que esse cenário pode explicar, pelo menos em parte, a crise de efetividade das normas da OIT, que têm por finalidade estender aos trabalhadores de países menos desenvolvidos (subdesenvolvidos em verdade) proteção básica ao trabalhador e, ao mesmo tempo, evitar a concorrência desleal decorrente do dumping.
O desmembramento das fábricas pelo mundo otimiza o lucro, deterioriza a concorrência, pulveriza melhores condições de trabalho e, em consequência, acentua a miséria e desigualdade social intra e inter-nações.
Para essas empresas, não há interesse na padronização internacional de condições de trabalho. Como tem prevalecido essa lógica, as empresas que ainda pretendem sobreviver seguem o mesmo caminho, transferindo-se para países periféricos seus membros, ao passo que sua cabeça permanece ativa no país de origem, captando lucros e emanando comandos cada vez mais agressivos para alcançar a abastança seletiva.
O adoecimento dos trabalhadores não é problema deles.
O país no qual estão alocadas deve arcar com o ônus da miserabilidade e do adoecimento social e econômico de seus nacionais. Para ir mais longe, sugestão de leitura (básica): Ricardo Antunes, Adeus ao trabalho e O caracol e sua concha; Bauman, Capitalismo Parasitário; Ha Joon Chang, Economia modo de usar; Márcio Túlio Viana, Para entender a terceirização; obras de Immanuel Wallerstein e Boaventura de Sousa Santos a respeito da globalização.
Fábio Moterani é Membro da Associação de Juízes para a Democracia e Juiz do Trabalho do TRT 2ª Região.

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