domingo, 1 de julho de 2018

Especial Mais IDH – Amapá do Maranhão: Açaí com farinha

 
Viu bandeira na varanda, pode parar que tem açaí. A bandeira é vermelha, meio que para lembrar a cor da fruta – que é roxa, diga-se, mas quem costuma trafegar pela estrada entre Amapá do Maranhão e Carutapera não liga. Já de longe reconhece o sinal: sabe que ali tem vinho de açaí fresco, recém batido, pronto para tomar ou levar.
– O caminhão do Correio para toda hora. Compra sempre uns dois, três litros – diz a dona Luzenir.
E, de fato, lá está o colosso amarelo parado no acostamento, cujo motorista desce num salto da cabine para cruzar a estrada e em menos de cinco minutos retornar ao veículo com dois sacos transparentes na mão. Lanche garantido. Aqui não tem frescura: embalagem de açaí é sacola plástica mesmo, pois o que importa é o líquido que vem dentro, feito com fruta da boa, produzida no mais novo estabelecimento do povoado de Curtiçal – o Ponto do Açaí.
É lugar novo, não conta nem dois meses. Mas, como se vê, já tem clientela. Luzenir Lisboa e seu marido, Domingos, são veteranos no ramo: vivem há anos de colher, bater e vender açaí – que alguns lugares do Maranhão chamam de juçara –, tanto que o povo que passa por ali já conhece. A diferença é que antes a dona Luzenir fazia o vinho na cozinha de casa, toda apertada, numa batedeira velha que já não estava prestando mais. Agora tem batedeira de inox, balcão de atendimento e até mesa para sentar e comer, já com o potinho de farinha de puba à disposição do cliente. Sim, açaí por aqui se come com farinha. Com açúcar, jamais.
– Eu acho que tira o gosto – opina Luzenir.
A história que levou à criação do Ponto do Açaí teve início um ano e meio atrás, quando Domingos Barros da Silva começou a vender sua produção para o Programa de Aquisição de Alimentos do governo estadual. Macaxeira, abóbora, maxixe, acerola, laranja, tudo que em sua roça se plantava passou a ser vendido semanalmente na sede de Amapá do Maranhão, com o objetivo de alimentar escolas, creches e hospitais.
– Ele já foi a pessoa que mais vendeu pro PAA no município – comenta Angelo Matias, da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar. Ao todo, são catorze pequenos produtores que participam do programa.
 
Pois é. Seu Domingos, além de passar um bocado de tempo subindo nos açaizeiros para colher a fruta, ainda arranjou jeito se de dedicar ao roçado para garantir a venda para o governo. Fora as horas que ele gasta cruzando e descruzando a divisa entre o Maranhão e o Pará para comprar e revender açaí. Apesar de o povoado estar em plena Amazônia maranhense, quase encostado no Pará, a safra é diferente nos dois lugares: aqui, a palmeira frutifica nas chuvas, entre outubro e fevereiro; do lado de lá da divisa, na estiagem, por volta de julho e agosto.
– Quando acaba aqui, a gente compra do Pará. Quando acaba lá, a gente manda daqui – sintetiza seu Domingos.
E ainda tem a farinha.
Quem viesse visitar o casal alguns meses atrás ia ver a casa de forno meio caída: o chão ainda de terra, o teto de palha de inajá e uma caixa d’água de plástico servindo de tanque para deixar a mandioca de molho (daí o fato de a farinha de puba também ser chamada de “farinha d’água”). Com o incentivo do Sistema Integrado de Tecnologias Sociais, um dos quase 300 instalados na cidade, veio a chance de mudar tudo: a mandioca lá no Curtiçal agora se hidrata em tanque de azulejo, o teto é de telha de Brasilit e até o chão ganhou “um cimentozinho”, como diz seu Domingos. De lá para cá, não só aumentou o volume de farinha para vender como também os vizinhos ajudaram a complementar a renda. É um excelente negócio: seu Domingos empresta a casa de farinha para os outros torrarem e, em troca, recebe 4 quilos de farinha por cada saco produzido (de 50 quilos cada).
Daí que, com o dinheiro do PAA e da farinha, seu Domingos juntou tudo o que precisava para realizar o sonho de Luzenir.
– Isso aqui tudo é da força dele – orgulha-se a esposa.
E ainda sobrou uns trocados para investir na produção própria de açaí. Cerca de três mil mudas de açaizeiro já estão despontando suas folhas no quintal de casa, esperando o momento de serem replantadas em um terreno a 7 quilômetros dali, depois que passarem as chuvas.
– Quero plantar dez mil mudas – planeja Domingos.
O que é uma decisão crucial para quem pretende viver de açaí: Amapá do Maranhão tem visto perder um bom naco de floresta nos últimos anos, decorrente do avanço das pastagens – inclusive por parte dos próprios moradores do povoado. Seu Domingos conta que o Curtiçal nasceu de um assentamento agrário, onde dezenas de famílias foram contempladas com lotes de terra. Ao invés de manter a floresta de pé e tentar viver dela, o que quase todos fizeram por aqui foi derrubá-la para investir em gado, que se acreditava mais lucrativo. Só descobriram o quanto era custoso viver de bois quando a terra já estava toda devastada. E o açaí cada vez mais raro.
– Não tem nem metade do que tinha aqui – argumenta a dona Luzenir. – Daqui a um tempo, quem não tiver plantio não vai ter pra vender.
Pois seu Domingos e dona Luzenir já se adiantaram: não vai faltar açaí nem para vender nem para servir. Quem quiser, já sabe: é só espiar a fachada e ver se a bandeira está fincada lá. Placa na porta ainda não tem, mas não deve tardar: “Ponto do Açaí”, bem bonito, cravado na parede lilás – que, por sinal, está mais para a cor roxa do açaí do que a bandeira vermelha. Mas quem se importa? Tendo açaí – e farinha para acompanhar, sempre – todo o mundo fica feliz.
Saiba mais:
Amapá do Maranhão
Ações do Mais IDH: Bolsa Escola; Arca das Letras; Formação Inicial e Continuada/Iema; Mais Sementes; Mais Feiras; Sistecs; Programa de Aquisição de Alimentos; Programa Nacional de Alimentação Escolar; Água Para Todos; Saneamento Básico Rural; Mais Saneamento; Kits de Irrigação; Mais Asfalto; Minha Casa, Meu Maranhão; Cozinha Comunitária.
IDHM: 0,520Ano de fundação: 1997
População: 6.431 habitantes
População rural: 24,7% do total
Renda per capita: R$ 182,63
População abaixo da linha de pobreza: 58,5%
Taxa de analfabetismo (acima de 25 anos): 45%
Mortalidade infantil: 42,6 entre mil nascidos vivos
 

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