quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Bibi Ferreira sai de cena e, com ela, se vão para a eternidade Dolly, Piaf, Joana, Amália, Eliza Doolittle...



Bibi Ferreira sai hoje de cena, aos 96 anos, mas não vai sozinha. Com ela, saem também de cena Piaf, Joana, Dolly, Amália, Eliza Doolittle e tantas outras personagens e cantoras – reais ou fictícias – que essa extraordinária atriz carioca chamada Abigail Izquierdo Ferreira (1º de junho de 1922 – 13 de fevereiro de 2019) encarnou em musicais de teatro e em shows ao longo dos 76 anos de impagável atuação nos palcos do Brasil.

Entre 1941 e 2017, ano do retrospectivo show Por toda a minha vida – La dernière tournée, Bibi foi quem escolheu ser. Era primordialmente atriz, mas foi também cantora – de repertório poliglota que incluía temas até em alemão e em grego! – apresentadora de TV e diretora de shows de intérpretes como Maria Bethânia. Uma artista multimídia, quando este termo ainda nem havia sido inventado.

Com o talento versátil, Bibi foi fundamental para fazer o público do teatro brasileiro gostar de musicais, gênero que a atriz abraçou com força a partir da primeira metade da década de 1960. Era capaz de fazer todo mundo acreditar que ela era mesmo Piaf, Dolly e a trágica Joana, entre tantas outras personagens de musicais que transcenderam a época da encenação para ficar na memória afetiva das artes do Brasil. Um episódio ilustra esse talento singular. Quando estreou o show em que personificava a cantora portuguesa Amália Rodrigues (1920 – 1999), diva maior do fado, Bibi fez tão bem o papel de Amália como cantora, falando como se fosse a fadista ao longo de toda a apresentação, que ao abandonar o sotaque português ao fim do show, para saudar o público, foi ovacionada pela embevecida plateia que lotava a casa Ribalta, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), numa noite de junho de 2001. O público aplaudiu porque percebeu ali, naquele instante, a dimensão imensurável de um talento que extrapolava qualquer expectativa. Bibi Ferreira era assim. Quando encarnou a cantora francesa Edith Piaf (1915 – 1963) em musical de teatro estreado em 1983 e, anos depois, transformado em show, Bibi conseguiu a proeza de cantar Piaf com a mesma dimensão dramática e vocal das interpretações da diva francesa.

Além da afinação, Bibi tinha notável senso rítmico, o que a possibilitava cantar um samba de Noel Rosa (1910 – 1937) com o mesmo perfeccionismo com que dava voz ao cancioneiro magistral criado por Chico Buarque para a peça Gota d'água (1975), marco do teatro musical brasileiro e um dos muitos ápices da trajetória da artista. Perpetuado em alguns discos com os números e textos dos espetáculos musicais, a arte de Bibi Ferreira foi e é tão grande que não cabe em palavras e nem mesmo em um palco. Bibi Ferreira é transcendental.

Quando a atriz paulista Cacilda Becker (1921 – 1969) saiu de cena, há 50 anos, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987) subverteu a regra gramatical da língua portuguesa ao resumir a notícia na frase "morreram Cacilda Becker".

Para Bibi Ferreira, vale o mesmo. Essa atriz e cantora multidimensional foi muitas em uma só sem nunca deixar de ser única, inigualável. Enfim, Bibi Ferreira "saíram" de cena para entrar na eternidade.

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