quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Felix Alberto: Um poeta insular



Jotabê Medeiros
Editora 7Letras lança “Filarmônica para fones de ouvido”, impressionante livro de poemas do maranhense Félix Alberto Lima

Do Norte chegam notícias de mais um poeta fabuloso que já foi centro avante sem camisa no time de sua aldeia e invejou meninos carvoeiros de calção puído. O nome dele é Félix Alberto Lima, tem 52 anos, é maranhense como Ferreira Gullar e Nauro Machado, mas sua poesia é feita de imagens lindamente desconcertantes (quase penhascos, paredes de carmenère, penumbra de dicionários), crônicas de ruas sem placas e estilhaços visuais do noticiário distraído (em alepo em meio ao silêncio dos escombros”).

É possível reencontrar em sua poesia tanto o sabor de Lawrence Ferlinghetti (onde corriam rios sagrados junto às cidades costeiras) quanto de Walt Whitman (regurgitou folhas de relva aos quinze e uns quebrados) ou de Paulo Leminski (Sofrer vai ser minha última obra).

Félix fez do livro “Filarmônica para fones de ouvido” (editora 7 Letras) uma das melhores boas-novas da poesia brasileira desde a vitória do cearense Mailson Furtado no Prêmio Jabuti de 2019 com o livro artesanal À Cidade. Em 2015, Félix já havia publicado, pela mesma editora, “O que me importa agora tanto”, que não chegou até os Sudestes ou não foi procurado devidamente.

Esse novo livro traz uma poesia de ritmo, coreográfica, de cadência irresistível. É absolutamente maranhense, mas incontestavelmente do mundo, alcança todas as falas e todas as locações de um jeito instantâneo. Negras batendo caixas para o Divino nas
ladeiras de Alcântara estão a um pulinho da noite fumegante do Covent Garden, em Londres.

Alguns dos seus poemas parecem revisitar outros, e não necessariamente poemas com páginas, mas a poesia cantada. O verso ‘Como nós os velhos vamos costurando nesgas de esperança’ lembra Cazuza e a sua canção “Só as mães são felizes” (‘Reparou como os velhos vão perdendo a esperança/ Com seus bichos de estimação e plantas?). Mas é menos e.e. cummings do que João Cabral. Há, principalmente, uma reverência às coisas, ao inerme, ao despercebido, e às marcas de uma formação insular, circundada por uma cidade antiga. ‘Começarei pelo grão das coisas, diz o mote do poema Cartografia dos Mares de Dentro, assinalando a geografia que destaca a ‘igreja e a cadeia pública/ fé e castigo lado a lado’.

A epígrafe cita o poeta catarinense Cruz e Souza (1861-1898), único negro entre literatos mestiços do seu tempo, como anotou o crítico Antonio Candido: “... E nas zonas de tudo, na candura de tudo, extremo, passa certo mistério mudo”. É desse mistério mudo que se alimenta a poesia de Félix Lima, certamente uma das grandes revelações da poesia brasileira deste final de década.

* Texto publicado na revista “Carta Capital”, de 7 de agosto de 2019.

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