Natalino Salgado Filho
A semana que
passou teve entre um de seus dias, um dedicado a Santo Antônio, que inicia a
tríade daqueles celebrados no mês de junho. O 13 de junho foi reservado no
calendário do mundo cristão católico em honra ao santo uma vez que coincide com
a data de sua morte aos 36 ou 40 anos, dependendo da versão hagiográfica. Isto
porque há dúvidas quanto à data exata de seu nascimento.
É verdade que a
versão mais popular de sua vida religiosa é mais conhecida na ico-nografia,
como o fato de ser considerado o santo casamenteiro, ser invocado para achar
coisas perdidas e conceber filhos. Os feitos que lhe são atribuídos ajudaram a
criar uma forte devoção dos fiéis como resultaram na canonização quase imediata
à sua morte pelo papa Gregório IX.
Um lado pouco
conhecido de Santo Antonio, que nasceu Fernando, é seu vastíssimo conhecimento
teológico e até mesmo das ciências tratadas nas proto universidades europeias
onde se formou como membro da ordem agostiniana ainda em Lisboa, onde vivia.
Nestas escolas medievais, o aluno cursava o trivium (três caminhos) -
gramática, lógica e retórica - e o quadrivium (quatro caminhos) - aritmética,
geometria, astronomia e música. Assim estava sistematizado o conhecimento no
século XIII.
Essa formação,
além do estudo da patrística e da Bíblia propriamente dita, deu a Santo Antônio
o título de Doutor da Igreja, pois além do conhecimento, diz-se que era um
exímio orador e pregador evangelístico. Foi esta característica que lhe
aproximou da Ordem dos Franciscanos que, entre outras missões, eram
evangelizadores. Sua ousadia e capacidade argumentativa rendeu-lhe ainda o
título de malleus hereticorum (o martelo dos hereges).
Sua vida, marcada
por intensa dedicação à causa da propagação do Cristianismo, carregava as
marcas do serviço ao próximo. Dentre os milagres que se lhe atribuem, está a
restauração do pé amputado de um jovem. De sua vasta obra escrita e oral, restaram
apenas 77 sermões, todos eles profundas meditações que se valiam de dezenas de
citações de filósofos, cientistas, oradores latinos e teólogos, numa perfeita
síntese que, submetida ao Cânon sagrado, arremetia contra um mundo de falsas
crenças e ou de valores cujo conteúdo não passava de reflexo de uma sociedade
carente de firmes verdades para uma vida significativa e feliz.
Um dos mais
famosos sermões de outro Antonio, o padre Vieira, intitulado “Sermão de Santo
Antonio aos peixes”, para nossa honra, foi pregado aqui em São Luís, em 13 de
junho de 1654, apenas a três dias de sua partida para Portugal. Nesse sermão,
ele relata o que fez Santo Antonio quando alguns hereges se negaram a ouvi-lo
na cidade de Arimino, na Itália. Pacificador, o santo não desfere impropérios.
Retira-se da cidade e vai até ao mar pregar aos peixes. O padre Antonio Vieira
constata: com sua atitude, Santo Antonio foi sal da terra e sal do mar. E à
semelhança do que fez o santo, o padre Antonio Vieira disse que pregaria aos
peixes, por causa da dureza do coração dos homens.
O exemplo de Santo
Antonio como um pacificador e promotor do homem tem muito a nos ensinar, em
contraste com a realidade que hoje insiste em nos entristecer pela violência
desenfreada que arromba as portas de nossa casa, afronta a frágil segurança das
cercas elétricas, da desconfiança com o outro, dos vidros blindados que nos
encarceram. Violência multiforme, variada, banal, renitente e produtora de toda
sorte de dor e impotência.
O compromisso de
Santo Antônio com o servir nos alerta contra o presente fragmentado e de
individualidades absolutas que, à semelhança de um gigante de pés de barro, não
possuem firme sustentação, posto que humanas potências caem e se esfacelam em
silêncio, destruídas pela hybris ou pelo autoengano de que tudo podemos.
A dedicação de
Santo Antonio à família humana sugere que, mesmo num tempo de relações
virtuais, aquela é ainda nosso refúgio mais fecundo. Nela é possível sermos um
pouco mais nós mesmos, assim como é ali que podemos ser acudidos de nossas
mazelas. Trata-se da organização que ainda sustenta nossa sociedade,
proporcionando a formação básica que ainda lhe dá uma forma e feição
humanizada.
Considerado um
taumaturgo ou homem com dons de operar milagres, Santo Antonio, com seu exemplo,
certamente pode nos inspirar a buscar em nossos dons e princípios esquecidos o
miraculoso resultado que nasce quando, anulados nossos egos carregados de
interesse pessoal, permitimos frutificar nosso melhor, tantas vezes escondido
debaixo de crostas da alienação do amor de Deus e das insípidas formações
acadêmicas que não servem para servir, mas para galgar postos que nos trazem
tão somente bens materiais. Nada contra o merecido prêmio pelo esforço, a
recompensa do trabalho, o bem estar material e financeiro, apenas que não nos
esqueçamos do privilégio que, sendo estes bens uma forma de poder, exigem
também enormes responsabilidades.
Que o registro da
vida de Santo Antonio e sua dedicação à família e à paz façam-nos seguir o que
alerta outro santo, o apóstolo Paulo, quando escreveu aos romanos: “Se
possível, no que depender de vós, sede pacíficos para com todos os homens”.
Doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro do
IHGM, ACM, AMC e da AML
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