sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Conheça a vida de Agenor Gomes, de ativista político de esquerda a juiz estadual

 
 
Conhecer um pouco mais dos magistrados maranhenses, as experiências que influenciaram a decisão de se tornar um operador do Direito e a rotina que desenvolvem além da atividade profissional é o principal objetivo das entrevistas que serão publicadas semanalmente, a partir desta sexta-feira (22), no site e veículos de comunicação da AMMA. Na estreia, o leitor saberá como o juiz Agenor Gomes, de ativista político, combatente da ditadura militar, prefeito do município de Guimarães se tornou magistrado. Ele acaba de completar 60 anos e relata uma linda história de vida,
Entrevista: Juiz Agenor Gomes 
 
“A AMMA tem um valor simbólico para mim, é a minha casa”
AMMA - O senhor se tornou magistrado após uma vida de militância política e de ter exercido o mandato de prefeito do município de Guimarães. O que influenciou na sua decisão de ingressar na magistratura?

Agenor Gomes - Ingressei na magistratura aos 42 anos. Antes, militei por 14 anos na advocacia e na atividade política. A minha militância e a da minha geração foi sempre ligada às lutas pela Liberdade. Vivendo na opressão da ditadura, não poderia ser de outra forma. E, historicamente, no país, os estudantes de Direito, sempre estiveram engajados nas lutas pela Liberdade, pela volta ao Estado de Direito, fosse na Ditadura de 1937 ou na Ditadura de 1964 ou no recrudescimento ditatorial de 1968, que resultou no AI-5.
AMMA - Conte um pouco sobre como foi o seu ingresso na militância.
Agenor Gomes - A minha militância foi iniciada ainda no Grêmio Estudantil Victor Asselin, do Ginásio de Guimarães, em 1973. Naquele ano tentamos fazer um congresso de secundaristas em São Luís, mas a polícia da ditadura não deixou o congresso se realizar. As reuniões de estudantes eram proibidas. Em 1977, quando entrei na UFMA, os diretórios eram controlados pelos Serviços de Informação da Universidade, a ASI, e o instituto do habeas corpus não existia para estudantes, sindicalistas, ou militantes políticos. No ano seguinte, quando entrei no movimento estudantil na UFMA e passei a integrar o Diretório Central dos Estudantes, o AI-5 ainda estava em vigor. Nesse período, a palavra Liberdade era subversiva. Eu me lembro que nós, do diretório, passamos a usar camisas no dia a dia com um belo verso do Hino do Maranhão que fala em liberdade: “A liberdade é o sol que nos dá vida”. Dizíamos que se havia subversão, ela estava oficializada no Hino do Maranhão.
AMMA - Como a magistratura entrou na sua vida?
Agenor Gomes - O meu desejo, ao fazer o vestibular, era ser aprovado em Direito e entrar para a magistratura, mas as lutas da minha geração pela Redemocratização me empurraram para a militância política. Então vieram a campanha pela Assembleia Nacional Constituinte em 1978, a campanha pela Reconstrução da UNE em 1979, a campanha pela Anistia em 1979, a campanha da Meia Passagem em 1979, a campanha das Diretas em 1984, todas travadas aqui em São Luís, e por fim, a eleição para prefeito da minha cidade – Guimarães – em 1988. Na campanha pela Meia Passagem, a ditadura não deixou por menos, mandou indiciar dezoito estudantes na Lei de Segurança Nacional e eu fui um dos primeiros a chegar à Polícia Federal para o indiciamento. Não era a PF da Democracia, que hoje orgulha o brasileiro. Era a PF da Ditadura. A seguir o SNI determinou que o diretor da ECT me demitisse do emprego de quatro anos que eu tinha nos Correios e Telégrafos. Eu era digitador de telegramas e iniciava o serviço às seis da manhã, em sistema de turnos. Naquele período, não havia internet, correio eletrônico, celular, facebook, whatsapp, nem telefone fixo havia na maioria das cidades do Maranhão, então havia uma grande demanda de telegramas. Éramos cerca de doze funcionários em uma sala trabalhando incessantemente para dar cumprimento a demanda. Hoje, o telegrama está quase desaparecido, mas naquela época o serviço era volumoso. À tarde, eu estava no DCE e, à noite, cursando Direito. Logo depois veio a graduação e passei a advogar. Depois da graduação, já advogando, fui para a mobilização na campanha pelas Eleições Diretas em 1984, logo depois veio a Constituinte e a campanha a prefeito do meu município. Expirado o mandato, com sentimento de dever cumprido, contribuí para a eleição do meu sucessor e decidi que faria o concurso para a magistratura.
Quem estuda em escola pública, depois em universidade pública, fica com uma dívida social, porque foi o contribuinte-cidadão que financiou a escola e a universidade. Então, vem à consciência o chamado para você voltar à sua terra e dar a sua contribuição. Foi pensando assim que eu voltei e fui candidato a prefeito. Cumprida a missão, fiz uma seleção e passei para a Escola da Magistratura. Trabalhava no meu escritório de advogado durante o dia e à noite fazia o curso de preparação na ESMAM, que funcionava ainda na Rua Rio Branco. Deu certo.
AMMA - Na sua avaliação, o fato de ter sido um militante desde a fase estudantil, quando foi um dos líderes da greve da meia passagem em São Luís, de alguma forma prejudicou ou prejudica o exercício da magistratura?
Agenor Gomes - Não. Nunca prejudicou. Talvez só alguns minutos, algumas vezes, antes das audiências, quando encontro um advogado que foi colega desse período de militância, ele começa a relembrar aqueles bons tempos e, admira-se, dizendo: “os cabelos já estão ficando brancos, não é, doutor?”.Para exemplificar, tenho colegas – bons juízes – que foram militantes políticos na juventude e que são magistrados que servem de referência para todos nós: O Roberto de Oliveira Paula e o José Costa. O Roberto foi candidato a vereador, não foi eleito, mas revelou-se um militante engajado nas causas de seu tempo. O Costa elegeu-se deputado estadual e exerceu o seu mandato com a maior correção. Quando cheguei ao interior, nas minhas primeiras comarcas, pensei que pudesse haver alguma dificuldade nesse sentido, mas não houve.
AMMA - Qual a maior dificuldade enfrentada pelos juízes no início da carreira?
Agenor Gomes - Penso que o maior problema para o juiz que está começando na magistratura é no campo da Justiça Eleitoral porque em grande parte de nossos municípios a política partidária ainda é movida à pura paixão. É assim como um Fla-Flu porque o nosso sistema eleitoral não fortalece os partidos, as ideias, os programas. Fortalece só o craque do time, que é o líder, o candidato. Então, tudo gira em torno do candidato e não do partido com os seus programas e as suas ideias. Ele se torna uma espécie de líder messiânico. Já tivemos tantos avanços na vida democrática do país nestes 30 anos desde a Redemocratização, mas neste campo há necessidade de uma profunda reforma. Penso que se a reforma política não for feita, o cidadão vai começar a desacreditar nos pilares da Democracia. E isso é ruim para todos porque ruindo a Democracia o que vem em seguida é a ditadura, seja ela de coturnos ou de líderes populistas. No interior, se o juiz aluga uma casa que pertence a uma pessoa ligada a um grupo político ele já fica sob suspeita aos olhos de muitos. É por causa da paixão política. Nas comarcas por onde andei, antes de começar a campanha eleitoral, convocava todos os membros de diretórios de partidos para uma reunião no fórum e lá abríamos uma conversa franca. Dizia: “Sei que o maior medo de qualquer candidato decente é a fraude e nós estamos aqui para fazer uma eleição limpa. Ganha quem tiver mais votos. Então vocês vão me indicar um nome de cada partido para ficar credenciado como delegado junto ao Cartório Eleitoral e lá ele vai acompanhar o alistamento durante todo o período, como está previsto no Código Eleitoral”. Acrescentava sempre nessas conversas, que a fraude não estava dentro da urna eletrônica, mas sim fora da urna, lá fora, na compra de votos. Aliado a isso, a fiscalização de todos os partidos no dia da eleição é muito importante para a lisura do pleito. Essa prática me ajudou muito a realizar eleições tranquilas nas Zonas Eleitorais por onde passei. Antes de chegar à capital, presidi oito eleições, algumas com dois turnos.
AMMA - Conte um pouco da sua vida, da infância, sempre quis ser magistrado ou foi depois de adulto?
Agenor Gomes - A minha infância foi no interior, empinando papagaio, nadando em riachos, brincando pião, subindo em fruteiras, pescando nos igarapés, numa cidadezinha que não tinha água encanada, nem ruas calçadas, que a luz elétrica só ia até às 22 horas, mas foi uma infância feliz. E nesse quadro de tantas carências de uma pequena cidade do Litoral Ocidental Maranhense tivemos o privilégio de contar com uma boa escola por causa da presença de dezenas de religiosos de Nicolet, do Canadá, entre freiras, padres e leigos, que fundaram a Escola Nossa Senhora da Assunção em 1957 e a tornaram a melhor escola de toda a Baixada, para aonde acorriam estudantes de toda a região. Devo muito o que sou a esses professores. Aos meus filhos que puderam cursar escolas com métodos avançados aqui em São Luís, eu sempre lembro que já na década de 1960, os religiosos canadenses aplicavam em sua escola de Guimarães o Método Montessori, o mesmo método em que um deles estudou aqui em São Luís. Quando completei 60 anos, neste mês de janeiro, fiz questão de convidar os meus professores do interior para o meu aniversário que comemorei aqui no Salão de Festas da nossa Associação.
AMMA - Para o senhor, teve algum significado especial comemorar o aniversário na AMMA?
Agenor Gomes - Foi na sede da AMMA porque tem um valor simbólico para mim, é a minha casa. A casa frequentada pelos meus colegas de trabalho. A casa onde eu venho com a minha mulher e meus filhos também para momentos de descontração e lazer.
AMMA - O senhor lembra quando foi o seu primeiro contato com a Justiça e a percepção que teve dela?
Agenor Gomes - O meu primeiro contato com a Justiça, acho que eu tinha cinco anos, o juiz da comarca mandou informar à minha mãe que ela deveria me preparar para ir ao fórum para o sorteio dos jurados, em uma sessão do Tribunal do Júri. Eu nunca tinha entrado no fórum. O prédio do fórum da Comarca de Guimarães era um prédio histórico de dois andares, construído na época do Brasil-Império, na primeira praça da cidade. Na parte de cima, do lado esquerdo, havia a sala de audiências e o gabinete do juiz; do lado direito a delegacia de Polícia. No piso inferior, as celas dos presos. Subi as escadas e lá em cima, naquele ambiente pesado, de muitas roupas pretas, fui tirando os papéis com o nome dos jurados. O juiz era o Dr. José Maria Marques, que depois viria ser desembargador e presidente do Tribunal de Justiça. Os seus filhos estudaram em Guimarães. O meu segundo contato foi dez anos depois com o juiz Luiz Chung. Além de judicar, ele fazia um programa no Alto Falante da cidade, todas as noites, chamado Boa Noite para Você. Não havia emissora de rádio na cidade. Um certo dia no Fórum, faltou um funcionário e ele soube que eu trabalhava como instrutor de datilografia na cidade e mandou me chamar para eu substituir o funcionário numa audiência. Eu tinha 14 anos. Esse majestoso prédio ruiu na década de 1970, ficando só um pedaço da parede do primeiro andar. Na minha militância política, quando prefeito, eu e minha equipe reconstruímos o prédio, com recursos do município e parte do Estado, acompanhando as mesmas linhas arquitetônicas recomendadas pelo IPHAN e o entregamos à Justiça. Nessa época a juíza era a nossa colega Márcia Chaves. Veja como é a vida da gente: sete anos depois eu entrava nesse mesmo prédio como magistrado à convite da nossa colega juíza Alice Prazeres para ajudá-la na realização de um grande casamento comunitário que ela organizou na Comarca. Foi um momento de grande emoção para mim.

AMMA - Que experiências da vida político-partidária podem servir de influência positiva ou negativa na magistratura?
Agenor Gomes - A mesma experiência que se adquire ao lidar com os dramas humanos. Assim como o médico, o jornalista, o enfermeiro, o advogado, o psicólogo lidam diariamente com dramas humanos. O político decente também lida. Nos grandes palácios, o cidadão não chega pela madrugada para bater na janela e pedir uma ajuda numa situação de emergência, especialmente de saúde. Isso acontece na casa do político do interior, seja vereador ou prefeito, que encara o seu mandato com sentimento de missão, num estado que detém grandes índices de pobreza. Mas a influência fica aqui, no aprendizado, nessa vivência com os dramas humanos. A vida político-partidária é um outro mundo, sem tempo para pesar, ponderar. Na magistratura é diferente. O juiz vai passar a vida inteira defrontando-se com os dramas, as misérias humanas em seus julgamentos. E tem que pesar, ponderar, examinar mais de uma vez, no seu ofício de julgar para não cometer injustiças. A Justiça é a última porta que o cidadão bate, com esperança, para ver o seu direito reconhecido.

AMMA - O que mais torna agradável a vida de magistrado e o que mais dificulta?
Agenor Gomes - Agradável é chegar ao fim de um processo, com uma sentença que você considera completa, tendo colhido todas as provas, avaliado todos os pontos, examinado todas as teses e ao final estar convicto de que está fazendo justiça. O que mais dificulta é um sentimento de impotência que se abate sobre nós quando o número de processos é descomunal, desproporcional à capacidade do juiz suportá-lo.
AMMA - Quais as personalidades, seja do mundo jurídico ou não, que influenciaram a sua decisão de se tornar juiz de Direito?
Agenor Gomes - O juiz Márcio José de Moraes. Um juiz que, aos 30 anos, redigiu uma sentença que é um grito de independência do Judiciário em plena vigência do AI-5. Ele condenou a União a indenizar a família do jornalista Vladimir Herzog, que morreu sob torturas no DOI-Codi de São Paulo. Eu estava entrando na faculdade quando a sentença foi publicada. E o juiz Márcio nunca militara na política, sequer na política estudantil. Aquela histórica sentença é a prova de que o Judiciário mesmo manietado pela ditadura, dava sinais de que existia.

AMMA - O senhor chegou aos 60 anos, quais os planos futuros, pretende se aposentar, continuar na magistratura ou se lançar a algum outro sonho, tipo ser músico, dançarino, escritor, artista plástico?

Agenor Gomes - Eu já danço samba e forró, então não preciso inscrevê-los nessa categoria de sonho depois da aposentadoria. Um livro? É possível, contando experiências que vivi.

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