terça-feira, 9 de julho de 2019

Briga com mídia custa a Moro reprimenda internacional e ação na PGR



Defensor de 'largo uso da imprensa' em investigações, ex-juiz está contrariado com a revelação de suas conversas secretas
Em uma análise escrita em 2004 a respeito da Operação Mãos Limpas, Sérgio Moro defendeu o “largo uso da imprensa” em investigações de poderosos. Na Lava Jato, praticou o que pregava, ao dar publicidade a suas decisões. Agora briga com a mídia, devido às revelações de suas conversas comprometedoras, atitude que lhe custa crítica internacional e pedido de investigação na PGR.

O ministro da Justiça não disfarçou seu aborrecimento ao participar na Câmara, em 2 de julho, de uma audiência pública sobre suas conversas com procuradores. Disse que a imprensa tem adotado “um comportamento um tanto quanto estranho” ao reproduzir as reportagens do Intercept. Para ele, o material tem sido “divulgado de maneira imprópria”, pois não se sabe se é autêntico.

Pôr em dúvida a autenticidade faz parte da estratégia de defesa do ex-juiz, cujas conversas mostram que ele violou o Código de Processo Penal ao atuar em parceria com uma das partes da Lava Jato, o Ministério Público. Moro não negou até aqui o teor dos diálogos. Até pediu “escusas” a militantes do MBL por tê-los chamados de “tontos” numa das mensagens, de março de 2016.

Aos deputados, o ministro reclamou que o Intercept faz “sensacionalismo” e “quer demonstrar uma tese que pré-estabeleceu”. Ironia: suas conversas indicam que ele pré-julgava na Lava Jato. “A defesa já fez o showzinho dela”, escreveu em 10 de maio de 2017, depois de depoimento de Lula.

Após as primeiras reportagens do Intercept, o ex-juiz reagiu assim: “Site aliado a hackers criminosos”. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) emitiu nota em defesa do site contra “ataques descabidos”. Apontava ainda “manifestação preocupante” e “erro” da parte da Moro “ao insinuar que o veículo é cúmplice de crime ao divulgar informações de interesse público”.

O ministro retaliou a Abraji. No mesmo dia da nota, cancelou sua participação em um congresso da entidade, realizado no fim de junho. Alegou problemas de agenda.

Diante da revelação de mais conversas suas pela Veja, em 5 de julho, reagiu de forma parecida com a que fez com o Intercept. Em nota do Ministério da Justiça, disse repudiar “a divulgação distorcida e sensacionalista de supostas mensagens obtidas por meios criminosos”, “sem que previamente tenha sido garantido direito de resposta dos envolvidos e sem checagem jornalística cuidadosa”. Não aceitou ser entrevistado antes da reportagem. Queria ver as mensagens primeiro.

Há olhos internacionais atentos ao ex-juiz. Por exemplo: os relatores especiais da ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA) para liberdade de expressão, o americano David Kaye e o uruguaio Edison Lanza, respectivamente. Eles emitiram um comunicado conjunto em 1o de julho.

A dupla expressou preocupação com as “ameaças, desqualificações por parte das autoridades e as intimidações” recebidas por Glenn Greenwald, o chefe do Intercept, “após a divulgação de informações e denúncias de interesse público”. Cobrou “uma investigação completa, efetiva e imparcial” das ameaças. E lembrou que o Brasil tem “obrigações de prevenir e proteger os jornalistas em risco e garantir a confidencialidade das fontes de informação”.

Uma ONG global pró-liberdade jornalística, a Freedom of the Press, divulgou uma nota em 2 de julho sobre a informação de que a Polícia Federal pediu dados sobre Greenwald ao Coaf, o órgão de vigilância de movimentações bancárias. A PF é subordinada a Moro no Ministério da Justiça. “O governo brasileiro deve suspender imediatamente as investigações”, diz o texto, “essas táticas de intimidação são um ataque descarado à liberdade de imprensa”.

O líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), apresentou requerimento de informações ao ministro sobre essa investigação. Se o ex-juiz não responder em até 30 dias ou se mentir, será crime de responsabilidade. Valente quer saber se há um inquérito específico contra Greenwald, se o Coaf prestou informações sobre ele e outros jornalistas e por aí vai.

A PF abriu um inquérito para investigar o hackeamento do celular de Moro e de outros procuradores. A investida policial contra Greenwald ocorreu dentro desse inquérito.

A tentativa da PF levou os partidos de oposição (PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e Rede) a acionarem a Procuradoria Geral da República. Querem que Raquel Dodge, a PGR, apure Moro por crimes existentes quando há uso de instrumentos estatais com fins pessoais. Por ação ou omissão, o ex-juiz teria prevaricado, abuso da autoridade e praticado advocacia administrativa.

Até a conclusão desta reportagem, em 5 de julho, não havia uma decisão de Raquel Dodge sobre o pedido.

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