Os grupos políticos hegemônicos, de extração plutocrática e oligárquica, que se apoderaram do governo no Maranhão nas últimas décadas, alicerçaram seus poderes na invenção de um complexo sistema de imposturas, que se manifesta como charlatanice, fingimento, falsa devoção e cinismo.
Os donos do poder se consagram e se fortalecem não por suas virtudes éticas ou por suas contribuições ao desenvolvimento da democracia e da sociedade, mas, sobretudo, pela capacidade de tapear a maior parte da população com falsos e irrealizáveis projetos de desenvolvimento. Não precisa ir muito longe para comprovar o que se diz.
Estereótipos como Maranhão Novo, Terra da Promissão, Maranhão: Meu Torrão, Minha Paixão são alegorias clássicas dessa peculiar maneira de incutir no imaginário popular a ideia de um Maranhão amado e fadado ao paraíso.
Falsidades e cinismos que se baseiam em imagens interpostas entre o indivíduo e a realidade, com caráter totalmente subjetivo e pessoal, que se integram no sistema de valores das pessoas.
Tratam-se de generalizações falsas e reveladoras de manipulações burlescas da desinformação e baixo conhecimento das pessoas, cuja realidade não se esforçam em modificar, posto que é nesse terreno que fertilizam suas estratégias de dominação.
A consequência do aludido processo vem sendo o fortalecimento de uma cultura política que engendra uma devastadora alienação social em termos de acesso e usufruto dos benefícios gerados pelo crescimento econômico e pelas melhorias das condições de vida no seio da sociedade, que acabam canalizadas quase sempre na direção de poucos privilegiados.
Produz-se então um mundo fantasioso, no qual pontificam, de um lado, bacamartes enlouquecidos pelo poder e, de outro, policarpos-quaresmas totalmente ingênuos diante do ilusionismo dominante, prisioneiros de utopias distantes, que ora se manifestam às avessas nas oposições pulverizadas, ora na intelectualidade orgânica delirante.
A questão posta na arena política atrela-se a uma indagação crucial: até onde vai e quando se dará a dissolução do sistema de imposturas reinante?
Simão Bacamarte, médico conceituado que decidiu transformar-se em psiquiatra por livre e espontânea vontade é personagem de Machado de Assis, em o Alienista, longo conto escrito em 1882, que se ampara em argumentos pretensamente científicos e de teorias que formula ao sabor da evolução dos acontecimentos, para atuar como ditador e déspota esclarecido, ao rotular de loucos aqueles que lhe desagradam. Seu poder imperativo tem a ‘ciência’ como fonte, da qual se considera representante legítimo, juiz e executor na pequena cidade de Itaguaí.
O romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, publicado por Lima Barreto em 1911, discute a identidade nacional e o nacionalismo, abordando o abismo existente entre as pessoas idealistas e as oportunistas. No contexto da Revolta da Armada, Quaresma escreve uma carta a Floriano Peixoto denunciando a situação de abuso de poder e violação dos direitos humanos, no que acaba sendo injustamente preso, acusado de traição e condenado ao fuzilamento. No final, Policarpo conclui que a pátria dos seus sonhos e sacrifícios não passava de uma triste ilusão.
As duas obras ficcionais tratam de forma tragicômica das especificidades da brasilidade em construção, das quais a maranhensidade é caudatária, sedimentadas sem tradições populares ancestrais, diferentemente do que aconteceu em países europeus. Não são poucos os estudos reveladores de uma identidade nacional concebida no bojo de um passado inventado pelos escritores do Romantismo e reforçada pelo poder político, no que também a maranhensidade não foge à regra.
No Maranhão, induzidos pela dinâmica política nacional recente e pela experiência histórica nefasta do sistema oligárquico local é possível vislumbrar-se outro Quaresma, mais conectado com a realidade, que levará fatalmente ao ocaso o bacamartismo alienante que imperou por décadas.
Se a força das ruas se instituir como poder social, quem aqui ousará se julgar acima do bem e do mal, separará pessoas, grupos, rotulando a uns de incompetentes, a outros de débeis ou ultrapassados? Quem disporá de poder absoluto, acima do bem e do mal? Quais pessoas ou grupos farão a Justiça se vergar, julgar e condenar fora dos autos? Quem terá o poder de atropelar o Judiciário, obrigando-o a amordaçar a liberdade de imprensa? Quem mandará no Congresso, no Executivo, no Judiciário e nas Comunicações brasileiras sem dó nem pena, como uma espécie de Alienista tardio? Quem deterá o poder da comunicação para condicionar a população a ver e ouvir apenas o que lhe interessa? Quem desinformará a população diariamente, com o poder de fogo de dezenas de TVs, rádios e jornais, por conta de uma comunicação verticalizada, arbitrária e antidemocrática, que diz e esconde o que quer?
O longo período de dominação oligárquica do governo produziu um poder estatal cada vez mais incapaz de atender satisfatoriamente às demandas da sociedade por serviços públicos básicos de qualidade para todos. As prioridades dos governantes no poder sempre foram com o fortalecimento de alianças oportunistas com o governo federal, controle do poder municipal, cooptação de lideranças e intelectuais orgânicos e estabelecimento de parcerias estratégicas com grandes empresas nacionais e internacionais. Os direitos de cidadania, aqueles que garantiriam o equilíbrio da balança, sobretudo nas dimensões sociais e políticas, foram inapelavelmente relegados a décimo plano, ou a plano nenhum. Se para o Brasil é este o nó górdio da política, na medida em que os interesses econômicos sobrepujaram o atendimento às necessidades sociais, para o Maranhão uma pressão organizada sobre esses déficits sociais acumulados poderá fazer o império tremer, abrindo oportunidades concretas de renovação política.
As ruas estão reagindo às imposturas e tendem a ser implacáveis com os tiranos e déspotas que manipulam a história recente do país. O que se anuncia é o fim de uma passividade tolerante, ainda que o cenário aparente não se revele na sua inteireza. Muita água deverá passar por debaixo da ponte até que as nuvens clareiem o horizonte do porvir. Nem muito próximo, como professam alguns, mais por desejo do que por análise da história; nem muito longe, como preveem outros, que, por covardia e medo, gostariam de ver eternizado o reino da hipocrisia.