sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Fábio Palacio - Lênin e os impasses da democracia liberal


Os ensinamentos de Lênin atualizam-se em face do recrudescimento de tendências fascistizantes que testemunhamos hoje. É quando se esfumam as ilusões de classe acerca da “universalidade” da democracia burguesa. Esse republicanismo ingênuo – que tantas vezes já acometeu forças de esquerda – tem na obra leninista um eficaz antídoto.
A Boitempo acaba de lançar um novo livraço da coleção Arsenal Lênin. Democracia e luta de classes reúne uma seleção inédita de sete textos escritos pelo pensador e dirigente revolucionário russo entre 1905 e 1919, cujo enfoque é a relação primordial entre o escopo das classes na sociedade e o conceito de democracia – elucidada, em síntese, na defesa da ditadura do proletariado. Com organização e apresentação de Antonio Carlos Mazzeo, a edição, aos cuidados de Carol Mercês, conta com traduções feitas diretamente do russo por Paula Almeida e do coletivo das Edições Avante!, além de textos de orelha de Fábio Palácio, reproduzida abaixo. Para o leitor atual, a obra traz ao presente a discussão sobre o perigo da demagogia por trás da defesa da “democracia pura” e de seus valores “universais”, como liberdade e igualdade. O maior revolucionário do século XX não nos deixa esquecer que “para a burguesia, é lucrativo e necessário encobrir do povo o caráter burguês da democracia burguesa”; como nos ensina Lênin, para falar de democracia, é preciso falar antes de luta de classes.


Por Fábio Palácio

Lênin foi um pensador singular. Dotado de viscerais convicções revolucionárias, mas também de um materialismo terrenal, soube como poucos unir teoria e prática. Seus estudos e elaborações, longe de terem caráter puramente livresco, são arma de combate a serviço da transformação social.

Esses predicados refletiram-se na morfologia da obra leninista. Profundamente ligada às exigências da luta política, ela se espalha por um sem-número de livros, artigos, discursos, missivas e relatórios. Coletâneas como Democracia e luta de classes contribuem para superar esse traço de dispersão, colocando a obra do líder bolchevique ao alcance do grande público. Tanto mais apropriado que isso se dê por meio de traduções diretas do russo, algumas inéditas no Brasil.

O livro que o leitor tem em mãos trata dos impasses das modernas repúblicas liberal-burguesas. Distanciadas dos anseios do povo, elas exercitam uma democracia de fachada, que garante autêntica liberdade apenas aos ricos, deixando à maioria da população o ônus de pesadas restrições sociais, econômicas, políticas e culturais, mal encobertas pela fraseologia oca do liberté, égalité, fraternité.

Ao desnudar a essência de classe dos Estados liberais, Lênin sustenta que, a fim de superar seus estreitos limites, é necessário um regime de aliança das várias camadas de trabalhadores – a chamada ditadura do proletariado. O novo sistema não almeja o mero aprofundamento da democracia burguesa, mas, principalmente, a subversão de seu caráter parcial e formal, em direção a um Estado capaz de promover o bem-estar e a ampla participação das massas trabalhadoras.

Os ensinamentos de Lênin atualizam-se em face do recrudescimento, em todo o mundo, de tendências fascistizantes, que apostam na coação aberta como método. É quando se esfumam as ilusões de classe acerca da “universalidade” da democracia burguesa. Esse republicanismo ingênuo – que tantas vezes já acometeu forças de esquerda – tem na obra leninista um eficaz antídoto.

Diante de tudo, este não é um livro datado, de interesse meramente histórico. Esta nova iniciativa editorial da Boitempo contribui para alumiar os dilemas contemporâneos de nossa frágil experiência democrática.

Fábio Palacio é jornalista e professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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