sábado, 23 de maio de 2020

O legado do educador Anísio Teixeira no ano em que são celebrados 120 anos de seu nascimento



Depois de uma grande pressão dos Estados Unidos para que o Brasil apoie os seus esforços militares contra o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas cede. Envia à Itália a Força Expedicionária Brasileira em 1943 e, no mesmo ano, cria o Território Federal do Amapá, desmembrando uma região de fronteira do Pará, que recebe uma base aérea americana.

Meses depois, dentro do novo território, em uma região conhecida como Serra do Navio, um baiano franzino tenta convencer investidores americanos a colocar dinheiro em um negócio promissor. Abundantes minas de magnésio haviam sido descobertas pelo governo central, sediado no Rio de Janeiro. Para o País, a chance de povoar uma região fronteiriça a partir de uma nova atividade econômica. Para o professor Anísio Teixeira (1900-1971), que havia sido perseguido no governo por Vargas, por supostas ligações com comunistas, e estava tocando as propriedades rurais da família em Caetité, era a chance de se tornar um capitalista internacional.

Embora não seja muito apreciador de bebidas alcóolicas, Anísio oferece aos executivos estrangeiros doses de Dry Martini, drinque que se tornaria mundialmente famoso uma década depois nos filmes de James Bond, personagem criado pelo escritor e jornalista Ian Fleming, a partir de sua experiência como correspondente de guerra em Berlim e em Moscou. 

A licitação para exploração do minério sairia em 1946. Mas os ventos mudam. Acaba a guerra, Vargas é deposto pelos militares e eleições diretas acontecem em todo o Brasil. Octávio Mangabeira se elege governador da Bahia e envia um telegrama ao Amapá convidando o seu conterrâneo para assumir a Secretaria Estadual de Educação. Anísio desiste imediatamente do projeto de mineração.

Sentido

"Apesar de ser um homem de negócios bem sucedido, sua motivação, intenção, ação sempre estiveram voltadas para a educação. Era o que dava o real sentido à sua vida", afirma Clarice Nunes, professora aposentada da Universidade Federal Fluminense (UFF), e uma das maiores especialistas na obra de Anísio. Clarice, que concluiu a graduação em pedagogia no ano da morte do baiano, dedica-se à sua obra desde o mestrado, em 1979, quando começou a pesquisar os ginásios profissionalizantes.

A decisão de mandar buscar Anísio no extremo norte do País não é um capricho do futuro governador. Em sua primeira passagem pelo governo da Bahia como inspetor de educação, na década de 1920, Anísio já tinha criado uma reputação de excelente administrador público.

"O maior legado de Anísio foram as universidades absolutamente inovadoras e rebeldes que ele criou", aponta o ex-reitor da Ufba, Naomar Almeida, criador do igualmente inovador Bacharelado Interdisciplinar (Bl).

Almeida assinala que a ditadura Vargas perseguiu Anísio e os professores da Universidade do Distrito Federal, que ele organizou em 1935, no Rio, quando tinha 35 anos. A segunda perseguição, dos militares, veio com a criação da Universidade de Brasília, concebida por ele e implantada junto com Darcy Ribeiro.

No plano estadual, uma de suas marcas foi a criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Escola Parque), que completa 70 anos de existência este ano e serviu de modelo para os Cieps, que Darcy construiu no Rio de Janeiro.

O foco na universalização do ensino gratuito veio das aulas no mestrado em Columbia com o pedagogo e filósofo John Dewey, um pensador que dava ênfase à prática no ensino. Aliás, foi a experiência na América, símbolo máximo do capitalismo, e a convivência com Monteiro Lobato, que levaram o antes carola Anísio a se afastar da religião e forjar o modelo de ensino que incomodaria governo e igreja no Brasil.

Para a surpresa geral da Nação, depois que Vargas é eleito presidente, em 1950, Anísio volta a trabalhar sob o comando do político que o havia perseguido. Assume a superintendência da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a convite do ministro da Educação, Ernesto Simões Filho, fundador de A TARDE.

Educação de qualidade

Por decisão do governador do Estado da Bahia, 2020 foi escolhido o Ano Anísio Teixeira da Educação. Por causa da pandemia de coronavirus, entretanto, as atividades presenciais foram suspensas. Mas a história do educador baiano deve chegar às telas e palcos do Brasil.

Um filme sobre sua vida está sendo planejado pela produtora Macaco Gordo, com a participação do roteirista Douglas Tourinho. Outro projeto é uma peça teatral para crianças que foi escrita a partir do livro Menino Movimento, sobre a infância de Anísio, lançado em 2018 pela Chiado Books Kids. "Foi Anísio quem desenhou o sistema educacional do Brasil" , afirma a artista visual Denise Calasans, co-autora do livro com Sandra Santos.

"A gente acredita que é importante um texto teatral que resgate a memória desse vulto", afirma a jornalista carioca Leila Meirelles, que assina a livre adaptação do livro, em parceria com João Santana. O texto está pronto e os autores já inscreveram a obra em instrumentos de financiamento cultural como a Lei Rouanet. Nesse momento, os autores esperam conseguir a adesão de empresas ao projeto para futuramente colocar a peça em cartaz.

Conexão com a realidade 

Responsável pela educação continuada de mais de 9 mil profissionais de escolas estaduais e municipais, a diretora do Instituto Anísio Teixeira (IAT), Cybele Amado, destaca que o patrono da instituição defendia o direito igualitário a uma educação de qualidade e uma conexão com a realidade. "Ele unia o saber com o saber fazer", destaca.

Anísio demonstrava igual entusiasmo para fazer um negócio privado prosperar e criar políticas públicas para a universalização do ensino público de qualidade. Em tempos de Guerra Fria, o homem que conhecia literatura russa aos 16 anos e fez uma brilhante carreira acadêmica nos Estados Unidos, era visto por políticos como uma espécie de agente duplo.

Americanófilo para a esquerda, comunista para a direita. "Ele brincava que seria o primeiro a ser fuzilado em qualquer ditadura, de esquerda ou de direita”, lembra o psiquiatra Carlos Teixeira, filho de Anísio. Ele não nega que Anísio, assim como ele próprio, sempre nutriram ideais de esquerda, humanitários. Mas Anísio sempre foi contra qualquer ato político que usasse violência. "Meu pai dizia que só o FBI não achava que ele era comunista, pois tinha livre acesso aos Estados Unidos ", conta.

De fato, quando a ditadura militar instalada em 1964 o retirou do posto de reitor da Universidade de Brasília (UnB), Anísio recebeu convites para lecionar em Columbia, Nova Iorque, e na UCLA, Los Angeles.

Existência

A culta, suave e cordata existência de Anísio Teixeira terminou de forma violenta em 11 de março de 1971. Ele havia saído de casa para almoçar no apartamento do historiador Sérgio Buarque de Holanda, com quem discutiria a candidatura do intelectual baiano a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Com seu atraso para o encontro, o anfitrião ligou para a família Teixeira, que não sabia do seu paradeiro. O corpo do professor que mudou a história da educação no Brasil foi encontrado no poço do elevador do prédio de Buarque. Os militares trataram o caso como acidente, versão que nunca foi digerida pela família e por amigos.

A desconfiança é que Anísio havia sido interceptado pela polícia, morto e depois teve seu corpo deixado no imóvel que seria o seu destino. "Ele foi torturado e assasinado", crava o ex-reitor da Ufba Naomar de Almeida.

Carlos Teixeira acompanhou na época a remoção do corpo do pai, mas não teve acesso à autópsia. Em 2014, na Comissão da Verdade Anísio Teixeira, participou da exumação do cadáver do professor. Mas a comissão, que trabalhou contra a vontade dos militares, não chegou a uma resposta conclusiva.

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