domingo, 5 de setembro de 2021

MUDANÇA MÍNIMA DO SISTEMA ELEITORAL VERSUS PARTIDOS POLÍTICOS

Por Sílvio Bembem Doutor em Ciências Sociais-Política (PUC/SP). É fato: o sistema político em muitos lugares no mundo e no Brasil não é diferente, não consegue atender com efetividade os anseios dos(as) cidadãos(ãs), o que resulta na ocorrência de um desequilíbrio entre representação política, governabilidade e participação popular. O tema da reforma política, há muito tempo está presente na pauta e sempre em véspera de eleição, o que não deixa de ser um notório casuísmo. Agora, volta novamente a proposta de debate da PEC 121/2011 – que trata do sistema eleitoral e partidário, com a necessidade de modificações com o olhar na eleição de 2022. Cabe lembrar que já está previsto no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos diretamente, nos termos desta Constituição”. Porém, tudo isso parece letra morta. Nesse artigo, venho mais uma vez repetir: o que muitos teimam em chamar de reforma política, (no entanto, sequer tocou na estrutura do sistema); mas, que se configura somente em mudança mínima do sistema eleitoral que tramita no Congresso Nacional (Câmara e Senado), com reduzida participação da sociedade civil. Sem sobra de dúvida, o sistema eleitoral apresenta distorções que devem ser modificadas. A percepção é que tudo é um espetáculo, uma peça teatral, uma encenação no campo político-partidário-eleitoral. Mas, na realidade, o foco do debate da emenda constitucional (PEC nº 121/2011) tem concepção jurídicofinanceira, e aqui me associo a algumas análises de cientistas políticos sobre o tema dessa mudança de forma resumida; todavia, que não deixa de ser importante para que se avance na perspectiva de uma mudança mais efetiva, medidas que podem mitigar as distorções existentes no sistema de representação dessa democracia que de popular não tem quase nada. Na verdade, é um jogo com a hegemonia da democracia dos políticos em negócio com a democracia do capital. Algumas propostas mereciam destaque nesse debate e ajudariam a avançar um pouco mais nessa democracia representativa: 1) a alteração estrutural (e não paliativa) do sistema eleitoral; 2) Transparência com criação de portal que a sociedade possa acessar e saber o valor do fundo partidário e eleitoral e quem recebeu e determinada quantia; 4) Controle externo da gestão do Fundo Partidário e Eleitoral dos partidos políticos; 5) definir limites de reeleição de parlamentar e senador, no caso, de até dois mandatos de 4 anos ou até uma reeleição como já acontece com os mandatos de presidente da República, Governador e Prefeitos e debater também a escolha de ministros do STF por meio de eleição. Certa vez o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos (in memoriam) escreveu no seu último livro - A democracia impedida: o Brasil no século XXI (2017) - que o bom da democracia representativa “é a alternância de governo”. E aqui acrescento que também dos mandatos parlamentares. Todavia, como em todo o mundo, o sistema é capitalista, logo não rima com igualdade e liberdade e sim com competição e lucro. Daí o ponto mais polêmico do debate político tem sido o controle das máquinas partidárias e o acesso ao bilionário fundo partidário e eleitoral. Outro ponto que voltou para pauta, como já citado, foram as coligações partidárias. Na verdade, o Senado já discutiu essa matéria, em 2017, por meio da proposta de emenda à Constituição (PEC 33/2017) quando aprovou a cláusula de barreira a partir de 2018 e o fim de coligação para 2020. Agora ela novamente voltará em função da Câmara ter aprovado o retorno das coligações. Analiso que o Senado vai rejeitar. Um outro problema é que o Congresso parece não querer discutir, muito menos pôr na pauta uma mudança fundamental no sistema eleitoral, que é a que trata do limite do tempo de mandato de parlamentares (Senadores, deputados e vereadores), tão quanto já se avançou na limitação da eleição de mandato no cargo de presidente da República, Governador e Prefeito, estes que só podem disputar uma reeleição consecutiva com mandato de 4 anos. E aqui trago um exemplo emblemático: a do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido, agora). Ele foi deputado federal por mais de 28 anos, portanto, mais 7 mandatos de 4 anos consecutivos. E em 2018 fez campanha, quando foi eleito, negando a política, mesmo sendo um político profissional, tendo um filho vereador e outro senador pelo RJ e mais um como deputado federal (eleito por São Paulo como o mais votado do Brasil). Agora, nega até a urna eletrônica (um ponto que considero avanço no processo eleitoral no Brasil), sorte que sua intenção da volta do voto impresso foi rejeitada. Ressalte-se também que muitos procedimentos adotados nas eleições proporcionais provocam distorções na representação e precisavam ser reformados de fato, a fim de garantir a observância do princípio de igualdade política entre os(as) cidadãos(ãs) na sociedade. Por que reformar o sistema? A ideia é garantir que a representação seja cada vez mais democrática. E como vivemos em uma chamada democracia representativa e numa sociedade pluriétnica, é fundamental que todos os segmentos da sociedade estejam representados nos três poderes da República: Executivo, Legislativo e também Judiciário (repito, nesse caso já era o momento de se debater também a escolha de ministros do STF por meio de eleição). Em seu livro - Sociologia dos Partidos Políticas (1914), o sociólogo alemão Robert Michels já apontara que “não se concebe a democracia sem organização”. Quando vai tratar dos partidos, aí é mais brilhante (ele que era um desencantado com a falta de democracia interna nos partidos políticos). Ao analisar em sua principal obra a "lei de ferro da oligarquização" os sindicatos e partidos operários, afirma que “os partidos políticos cada vez mais vão se transformar em uma oligarquia (de poucos)”. Uma outra questão é o seu funcionamento dos partidos políticos: muitos sem programa e sem concepção da grande política, sem projeto e a maior parte atuando como empresa, dirigido por famílias, por poucos como bem descreveu Michels, “verdadeira oligarquia”, no sentido de poucos - às vezes uma autocracia liderada por outsider ou por quem se consideram donos. E quais, de fato, foram as mudanças mínimas da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 125/2011) que a Câmara dos Deputados aprovou em votação de dois turnos, no dia 17/08/2021? As alterações feitas na PEC que já há 10 anos ficam tramitando a conta gotas no Congresso, são: 1) A volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais a partir de 2022 (muito comemorado pelas siglas nanicas e que gerou uns dos debates mais acalorados entre partes dos líderes partidários); 2) E, aqui, cito a sub-representação das “minorias” políticas: índios, negros e da mulher. Nesse sentido, é fundamental a adoção do sistema de cotas (reservas de vagas e recurso do fundo partidário e eleitoral) ao menos temporariamente, já que não se tem equidade e nem isonomia nesse campo da disputa de poder, digo, na sociedade política. Mas, o bom é que a Câmara manteve as cotas partidárias de mulheres e negros. Porém, não garantiu a dos povos indígenas, 3) A contagem em dobro dos votos dados a candidatos mulheres e negros para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030 para a distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo de Financiamento de Campanhas (na busca de certa equidade na representação política). O texto aprovado na Câmara segue agora para análise do Senado, onde precisa ser aprovado por, pelo menos, 49 senadores em dois turnos para ser promulgada. Então, o que a Câmara dos deputados acabou de aprovar em 1º e 2º turnos (no dia 17 de agosto) foram mudanças mínimas do nosso coorporativo sistema eleitoral, somente. Portanto, nada que venha a alterar estruturalmente o nosso processo eleitoral, em que a força do poder do dinheiro e das empresas juntos dos partidos políticos são o que ainda vão continuar a influenciar com peso a escolha dos candidatos(as). Claro que aqueles que serão eleitos, o fazem com o protagonismo do povo no momento da eleição, por meio do voto. Porém, este, na maior parte, é capturado pela “elite” econômica, em função do alta grau de desigualdades, pobreza e das necessidades dos que são economicamente vitimados por esse sistema cruel e desumano, sem contar que a nossa cultura política é de baixa qualidade; consequência da nossa baixa cultura educacional e consciência cívica.

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