terça-feira, 10 de maio de 2022

A FALÁCIA DO PODER MODERADOR


Por Enésio Matos

Tenho ouvido com freqüência a afirmação de alguns incautos maliciosos acerca da suposta existência no Brasil de um hipotético poder moderador.

A verdade é que em um período distante da história houve em nosso ordenamento jurídico a presença desse malfadado poder moderador. Esse momento a que me refiro é a fase do governo imperial.

Em breves linhas, o referido poder foi instituído com a Constituição de 1824, com ênfase na atuação do imperador brasileiro como ponto de equilíbrio entre os demais Poderes. Historicamente, foi exercido por dois imperadores - Dom Pedro I (1824-1831) e Dom Pedro II (1840-1889). Durante o Período Regencial (1831-1840), ficou suspenso. Sendo extinto definitivamente com a Proclamação da República em 1889.

Esse resgate histórico serve para demonstrar que a evocação desse inexistente poder moderador não passa de um tremendo engodo. Assim, passo a explicar de forma clara.

O art. 2° da Constituição Federal dispõe de forma expressa – “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Da leitura do dispositivo, não encontramos obviamente o tal poder moderador. E por que não localizamos no referido dispositivo – porque não existe poder moderador no nosso ordenamento jurídico atual. Seguimos a concepção de tripartição de poder proposta por Montesquieu.

A trapaça intelectual sobre a suposta existência de um poder moderador no nosso sistema jurídico decorre de uma interpretação enviesada do art. 142 da Constituição.

Vejamos o que estabelece o mencionado artigo.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Não é preciso ser jurista para interpretar essa disposição constitucional e entender que em nenhum momento há referência a um hipotético poder moderador.

Primeiro que as Forças Armadas não são poder, são instituições (Órgãos). Segundo, destinam-se à garantia dos poderes constitucionais

(Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como à garantia da lei e da ordem por iniciativa de qualquer dos poderes.

Encontrar qualquer evidência de poder moderador nessa disposição constitucional é deslealdade jurídica. Na verdade, é uma leitura oblíqua desse dispositivo.

Instada a se manifestar sobre a interpretação do art. 142 da CRFB/88, a Câmara dos Deputados registrou que “eventuais conflitos entre os Poderes devem ser resolvidos pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes no texto constitucional, ao estabelecer controles recíprocos entre os Poderes. São eles que fornecem os instrumentos necessários à resolução dos conflitos, tanto em tempos de normalidade como em situações extremadas, que ameacem a própria sobrevivência do regime democrático e da ordem constitucional”.

Assim, não encontramos nenhum dispositivo constitucional que assegure às Forças Armadas a competência para dirimir eventuais conflitos entre os Poderes Constitucionais. Em outras palavras, a suposta existência de um poder moderador não passa de falácia jurídica, sem a mínima sustentação.

* Especialista em Direito Público.

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