domingo, 3 de julho de 2022

Espiritualidade: um caminho de transformação

Hoje, tirei o dia para escrever sobre um assunto bastante delicado e interessante do ponto de vista espiritual. É um tema pouco abordado nas conversas e sempre é confundido com religião. Quero situar o tema da espiritualidade no contexto dramático, perigoso e esperançado em que se encontra atualmente a humanidade, especialmente a humanidade humilhada e ofendida que vive no Oiapoque ao Chuí. Nossa reflexão quer captar a urgência da espiritualidade e enfatizar sua premente atualidade em face dos mitos que circulam pela cultura- mitos da exterminação da espécie, da liquidação da biosfera, da ameaça do futuro comum, da terra e da humanidade. Momentos assim dramáticos, o ser humano mergulha na profundidade do Ser e se coloca questões básicas: o que estamos fazendo neste mundo? qual é o nosso lugar no conjunto dos seres? Como agir para garantirmos um futuro que seja esperançador para todos os seres humanos e para nossa casa comum? o que podemos esperar para além dessa vida? É nesse contexto que devemos colocar a questão da espiritualidade. A espiritualidade é uma das fontes primordiais, embora não seja a única, de inspiração do novo, de esperança alvissareira, de geração de um sentido pleno e de capacidade de autotranscedência do ser humano. Porque o ser humano só se sente plenamente humano quando busca ser super-humano, pois ele se vivencia como projeto infinito. Todos falam de espiritualidade, e ela é um tema recorrente em nossa cultura , não só no âmbito das religiões, que é seu lugar natural, mas também no das buscas humanas, tanto dos jovens quantos dos intelectuais, de famosos cientistas, e - para surpresa nossa - de grandes empresários. Tenho observado a preocupação dos grandes empresários , ligados ao poder econômico que colocam como tema de ponderação as mudanças sociais, o novo paradigma civilizatório, a produtividade da nossa tecnologia robotizada e a espiritualidade humana.
Às veze penso dizendo: " No fim da vida, até o diabo vira sacristão, isto é, vocês." Logicamente, faço esse chiste em tom jocoso, pois não é frequente, na cultura dominante, que empresários se preocupem com espiritualidade ou com temas ligados ao sentido da vida e do universo. Mas os tempos mudaram, e os empresários com ele. De todas as maneiras, o fato de grandes empresários colocarem questões ligadas à espiritualidade atesta da dimensão da crise que nos assola. Significa que os bens materiais que eles produzem, as logicas produtivistas que incentivam, o universo de valores que inspira suas práticas não deve estar sendo suficiente. Há um vazio profundo, um buraco imenso dentro do seu ser, suscitando questões como gratuidade e espiritualidade, Futuro da vida e do sistema-Terra. Esse buraco existencial é do tamanho de Deus. Por isso só deus é capaz de preenchê-lo. É importante, no entanto, manter sempre nosso espirito crítico, porque com espiritualidade também se pode fazer dinheiro. Não devemos nunca esquecer que os portadores permanentes da espiritualidade são as pessoas comuns, que vivem a retidão da vida, o sentido da solidariedade, e cultivam o espaço sagrado do espirito, seja em suas religiões e igrejas, seja no modo como pensam, agem e interpretam a vida. Agora cabe colocar diretamente a pergunta: o que é espiritualidade? Uma vez fizeram esta pergunta a Dalai Lama e ele deu uma resposta extremamente simples: " Espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior." Não entendendo direito, alguém perguntou novamente: - Mas se eu praticar a religião e observar as tradições, isso não é espiritualidade? O Dalai-Lama respondeu: - pode ser espiritualidade, mas, se não produzir em você uma transformação, não é espiritualidade e acrescentou: um cobertor que não aquece deixa de ser cobertor. Então atalhou a pessoa: a espiritualidade muda ou é sempre a mesma coisa? E o Dalai-Lama falou: como dizem os antigos, os tempos mudam e as pessoas mudam com eles. o que ontem foi espiritualidade hoje não precisa mais ser. O que em geral se chama de espiritualidade é apenas a lembrança de antigos caminhos métodos religiosos. E arrematou: o manto deve ser cortado para se ajustar aos homens. Não são os homens que devem ser cortados pra se ajustar ao manto. Parece-me que o principal a ser retido desse diálogo com o Dalai-Lama é que a espiritualidade é aquilo que produz dentro de nós uma mudança. O ser humano é um ser de mudanças, pois nunca está pronto, está sempre se fazendo, física, psíquica, social e culturalmente.

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