domingo, 19 de julho de 2020

O dia em que Fidel Castro encontrou Malcolm X


Um quarto do Hotel Theresa, no bairro negro do Harlem, em Nova York, abrigou o breve, mas memorável encontro, em 1960
Único encontro entre dois dos mais influentes personagens do século 20 durou apenas 15 minutos

Há 60 anos, um golpe de sorte e audácia pôs frente a frente o revolucionário cubano Fidel Castro (1926-2016) e o ativista negro norte-americano Malcolm X (1925-1965). O único encontro entre dois dos mais influentes personagens do século 20 durou apenas 15 minutos e foi improvisado no quarto de um hotel do bairro negro do Harlem, em Nova York (EUA).

O ano era 1960. Malcolm já se destacava como o líder mais ascendente e carismático da Nação do Islã. Sob as bênçãos do “honorável” Elijah Muhammad, logo se tornou ministro e, depois, porta-voz nacional do grupo, além de uma celebridade nacional. Aos 35 anos, extremamente leal e dedicado à causa, rechaçava todas as críticas à Nação, inclusive as denúncias (cada vez mais frequentes) de que Muhammad estuprara fiéis mulçumanas, chegando a ter filhos ilegítimos com algumas delas.

Fidel, com 34 anos, estava à frente do governo de Cuba fazia 21 meses. O regime implantado pelos barbudos da Sierra Maestra ainda não havia proclamado seu “caráter socialista”, mas já sofria os primeiros ataques comerciais dos Estados Unidos. Por décadas afora, multinacionais norte-americanas – como a United Fruit, a Standard Oil e a Havana Hilton – monopolizaram os principais setores econômicos cubanos. Aos poucos, a Revolução estatizava esses setores e irritava a Casa Branca. Bancos também começavam a entrar na mira do novo governo.

Em meio a isso, aproximava-se a 15ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) – pretexto que levou Fidel a Nova York em 1960. Na tarde de 18 de setembro, sob ovações e vaias, ele desembarcou na pista do Aeroporto Idlewild (atual Aeroporto JFK). Diferentemente de sua visita anterior à cidade, um ano antes, havia hostilidades agora. Em tempos de Guerra Fria, o establishment norte-americano considerava Cuba uma espécie de “Estado pária”.
Desembarque da comitiva cubana em Nova York: clima de hostilidade

O destino inicial de Fidel e dos outros membros da comitiva – de quase 60 pessoas – era o Hotel Shelburne, no cruzamento da Avenida Lexington com a Rua 37, na região de Midtown. O local foi proposto pelo embaixador de Cuba na ONU, Manuel Bisbé Alberni. “Atmosfera de tensão. Agentes do FBI e uma porção de policiais custodiavam o Hotel Shelburne, onde Fidel se hospedaria”, descreve Claudia Furiati em Fidel Castro – Uma Biografia Consentida (2001). “Do lado de fora, protestos e incidentes sucediam entre anticastristas e simpatizantes da Revolução.”

No “check in”, os cubanos pagaram US$ 5 mil de adiantamento. Porém, quando eles já estavam acomodados em suítes, a gerência exigiu um novo pagamento – e em dinheiro vivo! – referente a um seguro no valor US$ 20 mil. A razão: prevenir “eventuais danos” que esses hóspedes pudessem causar nas dependências do estabelecimento.

Sem provas, tabloides sensacionalistas espalhavam que os cubanos teriam levado prostitutas para o hotel e, pior, mantido galinhas vivas nos quartos para matá-las e cozinhá-las. Após a suposta comilança, teriam jogado os ossos pelas janelas e atingido transeuntes. Um receio adicional dos donos do luxuoso hotel era o de atentados organizados por grupos contrarrevolucionários, que teriam ameaçado depredar o prédio.

Fidel não passou recibo. Diante da insolência – e da convicção de que o governo Dwight D. Eisenhower estava por trás da cilada –, a delegação cubana se retirou do Shelburne na manhã do dia 19. Edward Spatz, dono do hotel, acusou Fidel de “manobra de propaganda deliberada” e se negou a devolver total ou parcialmente os US$ 5 mil de pagamento antecipado. Num ato falho, declarou à imprensa que deixava o caso nas mãos Departamento de Estado norte-americano.Fidel e a delegação cubana se retiram do Hotel Shelburne: polêmica chegou à ONU

O Hotel Theresa

O revolucionário cubano correu até o prédio da ONU e mobilizou a mídia internacional – havia mais de 2 mil profissionais credenciados para cobrir a Assembleia Geral. Fidel declarou que os cubanos iriam “a qualquer lugar, até ao Central Park”, para não ceder à chantagem do Shelburne. Um membro da comitiva, o capitão Núñez Jiménez, foi orientado pelo próprio “comandante-em-chefe” a comprar tendas. “Somos gente das montanhas. Estamos acostumados a dormir ao ar livre”, ironizou Fidel.

Um jornalista replicou que, mesmo se a delegação quisesse permanecer no grande parque nova-iorquino, seria necessária a permissão das autoridades locais – o que provavelmente seria negado. “Se necessário, acamparemos nestes jardins, pois trata-se de um território internacional”, emendou Fidel, ameaçando instalar as tendas nas dependências das Nações Unidas.

Encafifado, o sueco Dag Hammarskjold, secretário-geral da ONU, fez uma reunião de emergência com Fidel e implorou para que os cubanos ficassem em um hotel da área central. O Commodore, por exemplo, havia oferecido hospedagem gratuita a toda a delegação. Mas Fidel deixou a conversa com Hammarskjold sem prometer nada.

É nessa parte da história que emerge a figura de Malcolm X. Acusado de sectarismo, o líder da Nação do Islã foi, na realidade, um dos ativistas mais qualificados do século 20. Embora tenha se destacado pela luta em defesa dos direitos da população negra, era também apoiador de movimentos anti-imperialistas e simpatizante do bloco socialista.

Antes mesmo do incidente com a delegação cubana, Malcolm teve uma ideia absolutamente original: e se, durante a estada nova-iorquina, Fidel e cia. ficassem hospedados no Harlem, o bairro que concentrava a comunidade afro-americana e que jamais recebera qualquer chefe de Estado? A proposta era levá-los ao Hotel Theresa, uma pousada decadente, mas tradicional, aberta na década de 1910 e situada na esquina da Rua 125 com a 7ª Avenida, na parte norte de Nova York. Seu proprietário, o empreendedor negro Love B. Woods, admirava francamente a Revolução de 1959.
Partiu de Malcolm X a ideia de levar a delegação cubana para o Hotel Theresa, no Harlem

Foi o próprio Malcolm que apresentou a sugestão do Hotel Theresa ao Comitê Fair Play for Cuba, formado por apoiadores da Revolução Cubana. Por que o Harlem? Afora o fato de ser o local de moradia de dezenas de lideranças do comitê pró-Cuba, o bairro abrigava o Templo Número 7 da Nação do Islã, que tinha Malcolm como principal expoente. Não faltaria apoio – e entusiasmo – popular à permanência da delegação de Cuba. Ao contrário: a deferência de um estadista do porte de Fidel ao Harlem haveria de provocar uma imensa comoção.

O encarregado de levar o plano à diplomacia cubana foi o jornalista Bob Taber, que trabalhava na CBS News, já entrevistara Fidel uma vez, na Sierra Maestra, e era um dos fundadores do Fair Play for Cuba. Baseado na visita que fez à ilha caribenha no final da década de 1950, Taber preparava um livro sobre a jornada revolucionária dos cubanos, que seria lançado em 1961, com o título M-26 – Biografia de uma Revolução.

Para viabilizar a “missão Theresa”, o jornalista procurou o jovem diplomata cubano Raúl Roa Kouri, de 24 anos. Além de membro da Missão Permanente de Cuba na ONU – onde atuava na Comissão Econômica –, ele era filho do ministro cubano de Relações Exteriores, Raúl Roa García, o “chanceler da dignidade”, a quem Fidel respeitava profundamente.

Dias depois de ser informado da mirabolante proposta, o jovem Roa teve a sorte de poder comunicá-la diretamente a Fidel – e no melhor momento possível: logo após a tensa reunião emergencial com o secretário-geral da ONU. Ele perscrutou que a solidariedade alcançada por Cuba após a afronta no Hotel Shelburne poderia se esvair caso Fidel insistisse em envolver as Nações Unidas na resposta aos Estados Unidos.
Fidel aproveitou a Assembleia Geral da ONU para denunciar as hostilidades à comitiva cubana

Segundo o jornalista Sergio Alejandro Gómez, o líder cubano se entusiasmou de cara com a ideia de ficar no Harlem. Em artigo publicado em 2018 no portal Medium, Gómez reconstituiu o diálogo entre Roa e Fidel em pleno interior das Nações Unidas:


Conforme costumava fazer, o comandante caminhava com grandes passadas de um lado da sala do escritório para o outro, pensando em qual decisão tomar. Foi quando Roa disse: “Eu tenho um hotel”. Fidel nem ouviu.

“Tenho um hotel no Harlem”, ele repetiu.

“No Harlem?! No bairro dos negros e porto-riquenhos?”, perguntou Fidel.

“Sim”, respondeu Roa.

“E você consegue?”, continuou Fidel.

“Acho que sim”, respondeu Roa mais uma vez.

(…)

Roa resumiu a história e Fidel concordou.

“Fale com Bob Taber e me avise quando você estiver no hotel”, concluiu.

Bob Taber e Malcolm X foram acionados, e a “missão Theresa” saiu do papel. Coube ao líder cubano dar o aviso – e uma satisfação – ao secretário-geral da ONU. “Vou a um hotel onde estão os humildes, os excluídos, porque a Revolução Cubana é a revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes”, justificou-se Fidel, evocando o célebre conceito de “democracia” enunciado um século antes por Abraham Lincoln, 16º presidente dos Estados Unidos: “O governo do povo, pelo povo e para o povo”.

Na tarde de 19 de setembro de 1960, as autoridades cubanas ingressaram no Harlem, acomodaram-se no hotel e fizeram história. Foram reservados 30 quartos para a delegação, a um custo de US$ 800 a US$ 1.000 por dia – em dinheiro. “Quando a caravana chegou, eles começaram a gritar ‘Fidel, Fidel’. Era como estar em Cuba”, comparou Roa.
Com Fidel hospedado no Hotel Theresa, milhares de moradores do Harlem faziam vigília para saudar Cuba

“No período em que o Dr. Castro esteve no Harlem, graças aos nacionalistas e muçulmanos, não houve tumultos ou ilegalidade”, registrou Malcolm X em sua autobiografia, escrita em parceria com o ensaísta Alex Haley. “Os muçulmanos e os nacionalistas negros fizeram todos os esforços imagináveis​​para manter o Harlem calmo e ordenado. Apesar disso, os jornais diários lançaram uma propaganda selvagem e ofensiva contra nós, distorcendo fatos deliberadamente, contando mentiras, nos rotulando como terroristas sem lei, subversivos, segregacionistas, etc.”

“Golpe psicológico”

O insight de Malcolm X virou uma peça de propaganda única. O Hotel Theresa hasteou uma bandeira cubana. Fidel recebia jornalistas da mídia negra em seu quarto e concedia uma série de entrevistas exclusivas. Moradores faziam vigília em frente ao hotel, e pequenas romarias invadiam o bairro. Membros da delegação acenavam da janela de seus quartos, para euforia geral.

Houve um e outro princípio de briga entre manifestantes favoráveis e contrários à Revolução Cubana. Cerca de 500 ministros da Igreja Batista protestaram contra a estada da comitiva de Cuba na região. Mas a maioria do público que ia ao Hotel Theresa aplaudia os visitantes da ilha caribenha. Malcolm afirmou que, se o Departamento de Estado norte-americano queria constranger Cuba, perdeu a batalha: foi Fidel, sim, que impôs um “golpe psicológico” e despertou “tamanha impressão na comunidade negra”.

No finzinho daquele mesmo dia, 19 de setembro, enquanto 2 mil seguidores da Nação do Islã vigiavam o Hotel Theresa, Malcolm se identificou na portaria e pediu para ver o ilustre hóspede. Fidel, a despeito do cansaço, fez questão de recebê-lo. Já era meia-noite quando conseguiram se ver, em uma conversa na cama da suíte onde Fidel se hospedara. O encontro foi testemunhado pelo fotógrafo Carl Nesfield (amigo de Malcolm) e pelos jornalistas Jimmy Booker, do Amsterdam News, e Ralph D. Matthews, do Citizen-Call – duas publicações da imprensa negra.
Fidel e Malcolm conversaram sentados à cama do quarto em que o cubano se hospedou no Hotel Theresa

“Seguimos Malcolm e seus assessores, Joseph e John X, pelo corredor do nono andar”, escreveu Matthews em sua reportagem. “Estava cheio de fotógrafos descontentes porque não conseguiam ver o barbudo Castro – e com escritores irritados porque os seguranças continuavam empurrando-os para trás.”

O texto do repórter avança: “Após as apresentações, (Fidel) sentou-se na beira da cama, pediu para Malcolm X sentar-se ao lado dele e falou em um inglês curioso e ruim”. Ao porta-voz da Nação do Islã, o revolucionário cubano manifestou gratidão pela “quente” acolhida da população do Harlem. Os dois líderes falaram, então, da percepção do povo negro sobre os novos rumos de Cuba.


Malcolm: “Você vai ver que as pessoas no Harlem não são tão vulneráveis à propaganda (anti-Cuba) que divulgam no centro da cidade”

Fidel: “Sim – e eu admiro isso. Sei que a propaganda é capaz de influenciar as pessoas. Mas seu povo está aqui, convive o tempo todo com essa propaganda e, no entanto, eles entendem tudo. Isto é muito interessante”

Malcolm: “Nós somos 20 milhões e sempre entendemos tudo!”

Fidel e Malcolm trocaram opiniões sobre o peso do racismo na cultura norte-americana e sobre a participação cubana na Assembleia Geral da ONU. Outro assunto em pauta foi o futuro das relações entre Estados Unidos e Cuba, que vivam uma tensão crescente – a ponto de sete meses depois, a CIA e o Pentágono participarem da vergonhosa tentativa de invasão da Baía dos Porcos. Fidel afirmou: “Trabalhamos para toda pessoa oprimida, mas não quero interferir na política interna de qualquer país”.O indiano Jawaharlal Nehru foi um dos chefes de Estado que visitaram Fidel no Harlem

De forma sutil, Malcolm ainda sugeriu que Fidel se aproximasse da Nação do Islã. Segundo umas das versões sobre esse momento da conversa, o ativista teria dito que o líder cubano era “a única pessoa branca da qual ele já gostou” – mas o texto do Citizen-Call não cita essa passagem.

Depois de 15 minutos de conversa, o breve, mas memorável encontro chegou ao fim. Malcolm e Fidel se abraçaram, agradeceram-se mutuamente e se despediram. Os jornalistas deixaram o quarto com Malcolm. “Caminhamos pelo corredor lotado e pegamos o elevador para a rua, onde, do lado de fora, a multidão ainda circulava. Alguns moradores do Harlem, empolgados, gritavam durante a noite: ‘Viva Castro!’”, concluía a reportagem de Matthews no Citizen-Call.

Fidel rememorou o encontro 30 anos depois. “Sempre lembrarei a minha reunião com Malcolm X no Hotel Theresa. Ele tornou isso possível e deu seu apoio para que pudéssemos ficar lá”, declarou, em 1990, o líder cubano. “Tínhamos duas alternativas, sendo uma delas os jardins das Nações Unidas. Quando mencionei isso ao secretário-geral, ele ficou horrorizado com o pensamento de uma delegação em tendas lá. Mas então recebemos a oferta de Malcolm X – ele havia conversado com um de nossos colegas. E eu disse: ‘Esse é o lugar, o Hotel Theresa’. E lá fomos nós.”

Discurso histórico

O impacto da ida da delegação cubana ao Harlem, reforçada com a visita de Malcolm, atraiu outros chefes de Estado ao local. Nikita Khruschov (União Soviética), Josip Broz Tito (Iugoslávia), Gamal Abdel Nassar (Egito), Jawaharlal Nehru (Índia) e Kwame Nkrumah (Gana) também visitaram Fidel. “Vim cumprimentar o herói nacional de Cuba que derrubou a tirania de (Fulgencio) Batista”, declarou Khruschov, ao lado de Fidel e do chanceler soviético Andrei Gromyko, ante 5 mil pessoas que se aglomeravam à porta do Hotel Theresa.
Nikita Khruschov saudou Fidel como “o herói nacional de Cuba que derrubou a tirania”

Jornalistas continuavam a aparecer. O poeta comunista Langston Hughes, o escritor beatnik Allen Ginsberg, o fotógrafo Henri Cartier-Bresson e o sociólogo C. Wright Mills foram igualmente ao encontro do líder cubano no hotel. Eram recebidos com alarde, um a um. À noite, membros da comitiva cubana invariavelmente saiam atrás de lanchonetes para devorar hambúrgueres. Enquanto isso, a Assembleia-Geral da ONU, iniciada em 21 de setembro, transcorria.

A um repórter que lhe perguntou sobre o comportamento dos hóspedes cubanos, divididos entre o oitavo, o nono e o décimo andares, Love Woods, o gerente do Hotel Theresa, garantiu: “Eles se portam bem e não nos causam nenhum descontentamento”. E mais: davam “boas gorjetas – por exemplo, de US$ 1,25 por uma conta de café e de US$ 5 para sanduíches”.

No dia 22, o presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower excluiu a República Dominicana e Cuba de um banquete com presidentes da América Latina no Waldorf-Astoria Hotel. Em resposta, no mesmo horário, Fidel convocou um almoço no salão do Theresa para “o proletariado do Harlem”. Funcionários do hotel – todos negros – sentaram-se à mesa com ele.
Fidel promoveu o célebre almoço com “o proletariado do Harlem” no Hotel Theresa

Já o jantar ficou por conta do Comitê Fair Play for Cuba, que presenteou Fidel com um busto de Abraham Lincoln – “de um libertador para outro libertador”, conforme as palavras de Richard Gibson, membro do grupo cubano-americano. Diante de 300 pessoas que participavam da solenidade, Fidel agradeceu: “Sinto-me como alguém que anda no deserto e de repente se encontra em um oásis”.

Em 26 de setembro, chegou a vez de Cuba na Assembleia Geral da ONU. Sem ler uma única linha – ao contrário dos demais chefes de Estado que lhe antecederam no plenário das Nações Unidas –, Fidel discursou por quase quatro horas e meia. Seja pela forma, seja pelo conteúdo, proferiu um histórico libelo anticapitalista e anti-imperialista.

“Senhores delegados, há muitas mães nos campos de Cuba e neste país à espera de um telegrama de condolências por seus filhos assassinados por bombas dos Estados Unidos”, disparou. No ponto alto do discurso, Fidel defendeu que os países subdesenvolvidos seguissem o exemplo cubano e nacionalizassem os recursos naturais. “A independência política é uma mentira se não houver independência econômica. Quando desaparecer a filosofia do espólio, também desaparecerá a filosofia da guerra!”

No último contratempo da agitada passagem da delegação cubana por Nova York, supostos “credores” norte-americanos sequestraram o avião presidencial, alegando que o veículo seria usado para “saldar dívidas”. Fidel, ainda na Assembleia Geral, foi à imprensa e atribuiu o crime a contrarrevolucionários de origem cubana, que estariam a serviço da CIA e do governo dos Estados Unidos. Após dez dias em Nova York, os cubanos voltaram à Ilha em um quadrimotor emprestado pelos soviéticos.
Fidel proferiu, na ONU, um histórico libelo anticapitalista e anti-imperialista

Internacionalismo

Malcolm X não aceitou nenhum dos convites que recebeu para visitar Cuba. Em dezembro de 1964 – quando já havia se afastado da Nação do Islã e de seu ideário racista –, ele concordou em se reunir com Ernesto “Che” Guevara, representante de Cuba em outra Assembleia Geral da ONU. A agenda, marcada simbolicamente no Harlem, foi cancelada devido à descoberta de um plano terrorista para matar Che, a mando de grupos de exilados cubanos.

Em certa medida, o encontro Fidel-Malcolm acentuou o engajamento internacionalista dos dois líderes, em especial nas lutas pela “descolonização” africana e asiática. O ativista afro-americano visitou nações da África e do Oriente Médio, alinhando-se gradualmente ao islamismo ortodoxo e ao pan-africanismo. Numa de suas últimas entrevistas, declarou não ser mais “antibranco”. Amadurecido em termos políticos e ideológicos, passou a definir-se como um homem “antiexploração e antiopressão”.

Em 21 de fevereiro de 1965, Malcolm X foi morto por membros da Nação do Islã, no teatro Audubon Ballroom, no Harlem, depois de ser alvo por quase um ano de uma criminosa campanha de difamação, de ameaças de morte e de uma tentativa de assassinato. No fim da vida, tinha adotado o nome El-Hajj Malik El-Shabazz e fundado o Organização para a Unidade Afro-Americana.
Malcolm foi assassinado em 1965, pouco após se declarar um homem “antiexploração e antiopressão”

O Hotel Theresa, conhecido como “o Waldorf do Harlem”, não superou sucessivas crises financeiras, deixou de receber hóspedes em 1966 e fechou as portas em definitivo um ano depois. Seus 13 andares foram adaptados e, em vez de quartos, ganharam salas comerciais. O prédio, modernizado, foi reaberto em 1970. Batizado hoje de Theresa Towers, não tem registros da passagem cubana que tanto marcou o Harlem.

Fidel Castro apoiou decisivamente a luta de libertação de nações africanas, como Namíbia e Angola. É certo que os calorosos dias no Harlem fortaleceram seus vínculos com as causas antirracista e anticolonialista para além de seu continente. O maior revolucionário latino-americano do século 20 deixou a presidência de Cuba em 2008 e faleceu de causas naturais em 25 de novembro de 2016.

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