(Em memória de Jackson Lago)
por Abdelaziz Aboud Santos
Não
sou pessimista em relação ao Maranhão, como aparentemente pode parecer
pelo título do artigo. Também não me incluo no grupo dos maranhotos,
aqueles propagadores de ilusões e falsidades, que obtêm vantagens
fomentando as supostas prodigalidades da terra. Inclino-me para o lado
daqueles que acreditam que o Maranhão está mais para um enigma a ser
decifrado do que uma reinvenção da terra prometida. Decifrá-lo significa
passar a limpo o que esta formação social tem de mais pernicioso: a
renúncia cívica de boa parte dos maranhenses, motivada por uma
ininterrupta submissão forçada, até mesmo voluntária, para os que vivem
em estado de privação, frente ao poder e à arrogância imperial de suas
oligarquias.
Pessoalmente carrego uma
frustração histórica, assim como toda minha geração e tantas outras que
vieram depois: integrar uma sociedade que teve o seu futuro negado, pelo
predomínio de práticas políticas e sociais que se especializaram em
sedimentar privilégios, concentrar poderes em poucas mãos, negar a
meritocracia, roubar os sonhos mais variados. Vimos nascer e prosperar,
de forma avassaladora, um complexo sistema de poder que se perpetuou à
custa da negação de legados sociais, dissolvidos pelo rolo compressor
dos mitos e das falsificações. Gerações e mais gerações que foram
entorpecidas por falsos profetas, fabricadores de realidades imaginadas,
responsáveis pela composição de contextos que jamais existiram ou
poderiam existir, resultando na construção de uma mentalidade propensa à
aceitação, à resignação ou até mesmo à indiferença.
Recorro
a esse trágico preâmbulo para destacar, com toda a ênfase, a relevância
histórica dos dias 4 e 17 de abril, datas que registram,
respectivamente, o segundo ano do falecimento e o quarto ano do golpe
judiciário que levou o Governador Jackson Lago a descer, de forma
compulsória e dilacerante, as escadarias do Palácio dos Leões, deixando
vazia a cadeira de principal magistrado do Maranhão, legitimamente
conquistada pelo voto dos inconformados e dos que venceram o medo
atávico. Vendo tudo isso pela lente do tempo, um tempo que aos poucos se
afasta no horizonte, sinto um nó na garganta, não só pela saudade que
normalmente tenho de sua presença humana e generosa, mas também por um
forte sentimento de que a mentira crave na memória coletiva a ideia
assombrosa de que o seu governo foi inoperante e incapaz de encarar as
trevas do passado e as lides pela libertação do Maranhão.
Tive
a honra de ocupar uma posição destacada no comando do governo Jackson
Lago, permanecendo inteiramente fiel às suas determinações e cumprindo
da melhor maneira as decisões tomadas. Em pouco mais de dois anos e três
meses, por mais complexa que tenha sido a coalizão no poder, que tolheu
muito os movimentos do governante em sua capacidade de acelerar
mudanças indispensáveis e inadiáveis, foi possível mobilizar vontades de
segmentos de distintas extrações e gerações em torno da construção de
uma agenda estratégica de planejamento do desenvolvimento estadual,
capaz de abrir caminhos à libertação de uma sociedade, mantida por
décadas, prisioneira do arbítrio, da prepotência e dos privilégios dos
grupos dominantes e seus associados.
Na
luta travada com os donos do Maranhão, desde o primeiro dia de
trabalho, estava evidente a disposição do senhorio em descontruir os
feitos do novo governo. Investiram nessa prática com esmerada dedicação e
não encontraram naqueles que buscavam a contra-hegemonia a capacidade e
os meios para superá-los. Buscaram não só desconstruir as realizações
como apagar da memória o legado social do governo eleito legitimamente.
Proclamo,
sem a menor sombra de dúvida, que o Maranhão assistiu passivamente a
perda do último estadista da recente geração de políticos deste Estado,
podendo representar essa circunstância histórica, no mínimo, vinte anos
de atraso em sua estrutura política, isto se a maneira de governar das
elites permanecer no mesmo diapasão de sempre.
Já
não se fala no projeto de redenção da Baixada Maranhense, com recursos
assegurados e em vias de iniciar as obras; esquece-se da política de
regionalização e seus 32 Planos Populares de Desenvolvimento
Sustentável, que seriam a marca mais forte da vocação municipalista de
Jackson, opção estudada para inverter a lógica centralizadora do
planejamento governamental, trazendo das comunidades acervos inéditos de
demandas e possibilidades transformadoras; escapa da agenda do governo o
tema da cooperação internacional, pensada como estratégia para
incrementar o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do
Maranhão, abrindo suas fronteiras provincianas para o intercâmbio
econômico, comercial e técnico-financeiro, uma vez que convênios
especiais com Cuba, Venezuela, França e China já estavam sendo
celebrados e encaminhados.
Não se
priorizam mais os estudos das cadeias produtivas, então em franco
processo de organização, com a parceria do SEBRAE e Banco do Brasil,
contraponto aos grandes projetos que se instalaram e outros em vias de
instalação, como forma de garantir a pesquisa, a produção e a
comercialização dos pequenos produtores do Estado, que constituem a
verdadeira riqueza e sustentabilidade do povo maranhense há séculos; a
proposta de uma Escola de Saúde Pública se perdeu diante de outras
prioridades duvidosas, vista como possibilidade de formação avançada de
gestores, capazes de elevar os níveis de saúde da população, com ênfase
na rede de hospitais de emergência, iniciada com o de Presidente Dutra e
com recursos alocados para os de Imperatriz e Pinheiro; omite-se a
proposta de um Sistema de Segurança Único, dos Conselhos de Segurança
Cidadã, em que as pessoas começavam a participar da segurança de suas
comunidades, das residências para os policiais, da redução dos índices
de criminalidade.
A relação dos feitos
não se esgota aqui. Onde se escondem as iniciativas em favor da
revitalização das bacias hidrográficas, começando pela do Itapecuru?; ou
aquelas relativas ao zoneamento ecológico-econômico, para se definir
com precisão o que e onde plantar no território maranhense, praticamente
concluído no governo Jackson Lago?; ou no zoneamento agroecológico,
vital para definir a diversidade de lavouras a serem incentivadas, com
base em pesquisas da Embrapa, já contratada para esse fim, implicando,
como consequência, na sua própria instalação aqui?.
Quem
já ouviu falar em Fumacop, fundo de combate à pobreza, hoje
desfigurado, mas que na época dispunha em caixa recursos da ordem de
mais de 400 milhões, programados para a base econômica (arranjos
produtivos), base tecnológica (incubadoras de empresas e inclusão
digital) e base social ( segurança nutricional e transferência direta de
renda)? Quem ainda se recorda do Comitê de Projetos Estruturantes, do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, com a participação da
sociedade civil, ou do Conselho Consultivo do Porto do Itaqui,
constituído com os Governadores da região?
Quem
souber, por favor, diga o que foi feito do programa de erradicação do
analfabetismo, o Paema; do Plano Maranhense de Logística e Transporte;
do Consórcio Turístico Interestadual Rota das Emoções; dos Fóruns
Sociais, nos quais o Governador acolhia as demandas das populações
regionais; da política cultural, dos pontos de cultura, do mapeamento do
patrimônio cultural; da política social efetiva, dos programas de
transferência de renda com vistas a colocar os trabalhadores no mundo do
trabalho; do Museu de Arte Contemporânea, concebido pelo grande Oscar
Niemayer; da recuperação dos Projetos Salangô e São Bernardo; do Banco
da Gente, que financiava a criatividade dos mais pobres, principalmente
das mulheres?.
O mais importante que
se perdeu com a partida prematura do líder foi a sua visão de mundo, das
possibilidades que antevia para um Maranhão sem donos, da paixão pelo
empoderamento e soberania popular. Foi-se com Jackson a visão política
de um Brasil insubmisso, integrado a uma comunidade latino-americana de
nações livres e independentes, na qual estaria ombreado a outros
dirigentes regionais. Sem ele fica o vazio de ideias vigorosas e
consistentes, aquelas que brotam das lutas emancipatórias e apontem para
cenários de superação da pobreza e das iniquidades.
O
Maranhão dos maranhenses é muito mais escassez do que abundância. Os
símbolos da riqueza maranhense têm donos: o capital imobiliário
apetitoso e voraz, os centros comerciais e shopping centers, a rede
hoteleira, as frotas de veículos reluzentes tops de linha são
inacessíveis a mais de 90% dos timbiras perambulantes. O meu peito se
comprime todavia quando vejo que tais disparidades não representam o
maior dos problemas. A escassez que me amargura a alma é a de
lideranças, de dirigentes, de pastores. Sinto um tênue fio equilibrando
as ovelhas acabadas de nascer. Pressinto que de um momento para outro o
cordão se rompa e o rebanho se perca no emaranhado existencial de uma
sociedade que necessita conquistar a capacidade de se autogovernar e não
renunciar aos sonhos.
Jackson Lago
foi o último dos pastores confiáveis e o maior símbolo da resistência
democrática no Maranhão. Ofereceu a própria vida para manter vivo os
seus sonhos libertários. Deixou um legado que a história da sociedade
maranhense, brasileira e latino-americana não deixará que se apague. A
saída é despertar e convocar o povo à ação, sem medos, sem mentiras, sem
falsas promessas e sem falsos profetas. A infâmia e a prepotência não
vencerão para sempre.
Tu é mesmo um puxa saco desses pilantras do pdt. Foram eles que acabaram com o Jackon Lago. no Governo Jackson esse Aziz Pai e Aziz Filho roubaram tanto que andavam com um saco de dinheiro na mala do carro.
ResponderExcluirSou pedetista histórico
Não sou puxa saco, apenas publiquei um excelente artigo pelo valor literário, bem escrito e falando a verdade sobre a grande liderança que foi Jackson lago.
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