Do blog pan y vino
( A Raimundo Diniz Reis, Nhozinho do Abrigo da João Lisboa, falecido em 09/11/08)
Um pouco mais de vinho, ó velho!
Antes que o Abrigo se feche.
As meretrizes lá se foram...
Por trás do abrigo, à penumbra benquista,
a última diamba se queima.
Os carros perambulam como seus donos
atrás de "coisinhas interessantes"
Mais um quarto de vinho, velho.
Mas, quá! Nada mais há que se esperar
além do olhar indignado dos honestos trabalhadores
que madrugaram para a labuta
e por ali agora passam
a desdenhar dos ébrios do Abrigo da João Lisboa:
Um que fala para o nada,
outro que equilibra o sono no ar,
um terceiro que pragueja contra todos...
Os garotos de programa, a essa altura,
maculam o sono de seus lares
com o gás carbônico do ar do Abrigo;
os travestis já se desfizeram de cílios e saltos,
E os bêbados, eles, e o velho
continuam por cá comigo
Numa heresia grupal defronte da Igreja do Carmo.
Mendigos sonham em silêncio
larápios contabilizam seus ganhos
vigias sonolentos esperam o infame do próximo posto.
E o vinho tingido, gelado, açucarado e vagabundo
ainda chispa lume em meus olhos
que nada podem contra a sede desse pecado
que só na cidade, deste lado,
tem o sabor estragado
das cinzas manifestas de um certo Baco
na Atenas do Ocaso.
( MRCN, julho,2001)
*João Francisco Lisboa é escritor oitocentista maranhense, autor do Jornal de Timon (1852), próximo à praça que leva o nome do escritor há um abrigo com um posto de táxi, ali, durante o dia, os trabalhadores e frequentadores do Centro Histórico de São Luís(a Atenas brasileira) fazem refeições rápidas, bebem café... à noite a cena muda!
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