Natalino Salgado Filho
Cururupu, terra de belas paisagens e cenário de tantas histórias, também testemunhou o nascimento de um homem que inscreveu seu nome na história e que motiva todos que dele ouvem falar (bem como aqueles que com ele conviveram): Antonio Jorge Dino, um médico cuja vida inteira representou o compromisso com o próximo. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, “... um anjo torto, desses que vivem na sombra...” deve ter dito: Vai, Antonio, vai ser grande na vida!
Tive oportunidade de conhecê-lo por breve período - em companhia do seu amigo, meu pai - e sobre ele asseguro: era um desses homens que superaram enormes dificuldades e delas fizeram o barro que modelaram com denodo e extrema determinação uma herança que, por sorte de nossa e das futuras gerações, ainda está viva e útil à sociedade. Trata-se do Hospital Aldenora Bello, referência no Maranhão para o tratamento do câncer. Outro Antonio - o padre Vieira - já vaticinara: “Nem todos os anos que passam se vivem: uma coisa é contar os anos, outra é vivê-los...”. Antonio Jorge Dino sabia disso e imprimiu à sua existência o desprezo ao desperdício de tempo e a valorização de cada momento, de cada pessoa, de cada aprendizado.
Imaginem o longínquo ano de 1934. Antonio tinha 21 anos. Depois de cursar o primário, formou-se professor ainda em sua cidade natal, Cururupu. Contam-nos relatos familiares que houve oposição familiar ao seu desejo de estudar medicina no Rio de Janeiro. Seu pai, um imigrante libanês, temia perder o único filho. Naquela época, nada se parecia com esta de agora, em que simples comandos no computador nos permitem interagir até com quem está do outro lado do planeta. Mas, como lembra mais um Antonio (Antoine de Saint-Exúpery): “O verdadeiro homem mede a sua força quando se defronta com o obstáculo”.
O sonho do jovem cururupuense de estudar medicina na capital do país - o qual à época era uma nação extremamente precária, recém-saída de duas revoluções fratricidas e também com escassos recursos financeiros - denotava que, de fato, havia algo de muito especial em sua atitude. À maneira do herói grego Ulisses, que enfrentou e venceu Cila e Caríbde, Antonio também desafiou os monstros do atraso, da impotência; corajoso, singrou o mar, deixando para trás uma vida “normal”, previsível e segura, aventurando-se no incerto e distante Rio de Janeiro, tão longe do Maranhão. Havia que atender ao chamado de Hipócrates. Lembro a música “Como nossos pais”, de Belchior, imortalizada na voz de Elis Regina, que a certa altura diz: “Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo. Viver é melhor que sonhar...”. Quantos são chamados ao desafio de viver a vida plena com todos os sins e nãos que ela contém?
Toda a travessia (a chegada ao cais do porto do Rio, o sonho de entrar na faculdade até o exercício profissional reconhecido, engajado) consumiu-lhe cerca de trinta anos. Lá, deixou saudades, amigos queridos e um exemplo de perseverança e obstinação em conquistar o tão sonhado diploma de medicina. Mas, da mesma forma que o filho pródigo descrito nos evangelhos, havia que voltar ao Maranhão. Ao contrário do personagem bíblico que vivera experiências funestas, o cururupuense retorna com a sensação de gratidão à terra que o viu nascer. Um homem formado, um coração disposto a servir.
Aqui, desenvolveu uma bem-sucedida vida política - foi deputado federal por dois mandatos (1954 e 1958) - e, como membro da Comissão de Educação e Cultura e de Orçamento, por muito pouco não escreveu seu nome como fundador da Universidade Federal do Maranhão. Por uma dessas ironias da vida, mesmo tendo acalentado com outros companheiros a fundação de uma Universidade no Maranhão, sua proposta, ao chegar à comissão responsável do Ministério de Educação, deparou-se com outra proposta semelhante. Era um político que valorizava o ensino na mais exata lição de Antonio Guijarro: “A educação é um seguro para a vida e um passaporte para a eternidade”.
Havia mais: em 1965, integrou-se como candidato a vice-governador à chapa do então candidato ao governo do Maranhão, José Sarney. Depois da vitória nas eleições daquele ano, assumiu definitivamente o comando do Estado em 1970. Sua mãe, uma cearense, e seu pai, um libanês, pais honrados e bons, talvez nunca tivessem sonhado que o filho chegaria tão longe. Cururupu disto se orgulha até hoje.
Antonio Jorge Dino também foi inovador e pioneiro em sua determinação de construir no Maranhão um hospital voltado para os cuidados das pessoas com câncer. Os relatos que se colhem, associados a uma dedicação sacerdotal da medicina, configuram um êxito digno de nota, considerando a época o débil apoio de que dispôs. É certo que, em momentos de grave crise durante a existência do hospital, pessoas comuns fizeram a diferença e, entre essas, algumas que, naquele momento, ocupavam cargos públicos administrativos. Uma saga, por bem dizer, descreve melhor o contingente caminho do hospital, hoje sob a administração da Fundação que leva seu nome.
Em 1976, aos 63 anos, com uma vida ativa e rica, encontrou-se com sua fronteira última. O coração que viveu mais que sua idade cronológica parou de bater. Mas sua partida não foi o fim: apenas a passagem para o começo de uma nova história, escrita com paixão por D. Enide Dino e seus filhos.
Em memória ao centenário de Antonio Jorge Dino, tomo emprestado o título do livro do famoso escritor americano Ernest Hemingway “Por quem os sinos dobram”, a fim de dizer que, para mim, os sinos dobram por esse grande médico.
Doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro do IHGM, da ACM, AMC e AML
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