domingo, 15 de setembro de 2013

Pausa para equilíbrio e reflexão


 
 
Uma das mais famosas obras de Aristóteles é Ética a Nicômaco, um tratado atualíssimo sobre felicidade, equilíbrio e hábito ou sobre a ética como virtude e como prudência. A certa altura, o filósofo diz que todas as ações dos seres humanos se destinam ao Sumo Bem e que, fatalmente, fazer o bem trará a felicidade. Aristóteles propõe um modelo de ética que concilia o modo de ser e de agir, pois o que se espera de um homem virtuoso é que ele faça bem a si mesmo e aos seus semelhantes, com os quais convive em sociedade.
A leitura dessa obra não é só necessária como adequada para o momento que atravessamos, quando o programa Mais Médicos, do governo federal, começou a dar seus primeiros passos em meio a uma série de polêmicas. Além das opiniões de vários colegas - as mais díspares possíveis, todas merecedoras de destaque por uma série de razões -, chamou-me a atenção o artigo publicado na edição do último domingo pela escritora Arlete Nogueira da Cruz. Sem entrar no mérito da narrativa, tem razão a escritora: não há médicos suficientes para atender a demanda da nação brasileira. E, aliado a isso, também concordo que não há infraestrutura suficiente adequada na maioria dos municípios brasileiros para atender os cidadãos.
A situação do Maranhão é peculiar por ser o último Estado da federação em distribuição de médicos em relação à população. Só há 0,58 médico para cada mil pessoas. Este quadro tende a mudar nos próximos anos com o início das atividades das faculdades de medicina de Pinheiro e Imperatriz, mas para agora é necessária uma solução urgente. É inegável que a história da medicina no Brasil tem capítulos especiais de homens e mulheres que abraçaram a carreira médica como um sacerdócio, mas também como um compromisso acima de qualquer interesse.
Foram e são eles (as) que, nos mais diversos fronts do país, fizeram e ainda fazem a diferença contra uma estrutura que pouco oferece de recursos físicos e materiais para a prática da boa medicina. Muitos, como Carlos Chagas e Oswaldo Cruz - este último teve que enfrentar a ira da população no famoso episódio da Revolta da Vacina -, doaram a vida e o talento em prol do bem comum. Aqui no Maranhão, tivemos os médicos Tarquínio Lopes Filho, Clementino Moura, Aquiles Lisboa, Antonio Jorge Dino e tantos outros que nos inspiraram com seus exemplos e, que nas suas épocas, tiveram que transgredir as regras estabelecidas pela área.
Todavia, as cidades cresceram e os problemas se complexificaram e a população diversificou seus costumes. E, após anos de ações pontuais, o resultado não poderia ser outro: má distribuição de profissionais e concentração de serviços, resultando numa brutal desigualdade entre as regiões do país. Como médico e professor do curso de Medicina, eu entendo os anseios e as resistências dos meus colegas. Conheço de perto suas justificativas, pois enfrentei situações semelhantes às relatadas. Fui um dos fundadores do Sindicato dos Médicos do Maranhão. No começo da década de 1980, implantei a primeira residência médica no antigo hospital do INAMPS, Presidente Dutra, do qual tive a honra de ser mais tarde o diretor. Atualmente, há 200 residentes nas mais diversas especialidades, e já formamos cerca de 1.200 médicos residentes no Complexo Hospitalar Universitário (que compreende os hospitais Presidente Dutra e Materno-Infantil), que hoje é referência nacional em diversas áreas. Devido à minha atuação na área de nefrologia, trouxe, em 1978, o primeiro rim artificial para o Maranhão, o que inaugurou um novo capítulo da nossa história no tocante ao tratamento da doença renal crônica. Sou escoltado por uma trajetória de compromisso à causa médica neste Estado.
Pesquisa realizada pela CNT neste início de mês aponta que 74% da população aprova o programa Mais Médicos. É coerente então criticar a contratação de médicos estrangeiros que serão enviados aos lugares que nossos médicos não desejam ir? Como querer que uma população carente que grassa a completa desassistência não aceite essa solução? Sou solidário à questão de que se dignifique ainda mais a carreira médica. Nunca disse o contrário. O embate está no Congresso Nacional, e as reinvindicações da classe são justas: o fortalecimento do currículo médico; a criação de uma carreira de estado para os profissionais; a obrigatoriedade da residência médica a partir de 2017; e o estabelecimento da obrigação do ensino de seis anos. Esses são desafios a serem superados, e este momento de tanta ebulição deve ser utilizado como catapulta para instaurarmos novos paradigmas também na organização do sistema de saúde e na formação de profissionais, fatores fundamentais para que os recursos advindos do Pré-Sal, recentemente destinados em lei para a educação e para a saúde, sejam bem aplicados. E este não é um discurso solitário. Na ocasião do meu pronunciamento acerca do programa Mais Médicos na Câmara Federal, não estava sozinho: estava respaldado pela Andifes, que congrega 63 instituições federais de ensino superior.
Acredito que é hora de apaziguar os ânimos e procurar o bom caminho do equilíbrio, o bom senso e a tolerância à semelhança do que propõe Aristóteles, citado no início deste texto. O profissional médico tem lugar cativo no coração da população. Acima de tudo, é um humanista que tem a nobre missão de proporcionar conforto e aliviar as dores do corpo e da alma. Espero que os colegas não percam sua dignidade protagonizando cenas de agressões aos colegas estrangeiros. Que todos tenhamos de Deus o discernimento de saber que, nesse momento, o interesse maior é o da sociedade brasileira.

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