Pobreza no Maranhão não é invenção de instituto. Pode ser vista por quem quiser |
O suíço Jean Piaget, há quase um século, mudou a forma como as
escolas educam as crianças quando propôs algumas teorias sobre o ensino.
Uma de suas teses é de que o incômodo é o ponto de partida para o
aprendizado. O exemplo clássico é do bebê que, diante de dor no
estômago, chora. A mãe o amamenta e ele passa a associar que, diante da
fome, pode pedir comida. Aprende a superar a dor e alcançar o conforto
da saciedade.
Ignorar o incômodo e deixar de “denunciá-lo” por meio do choro não
resolveria o problema do bebê. Em um adulto, o silêncio seria um erro
ainda mais grave. Os psicólogos chamariam tal atitude de negação –
tipificada pela psiquiatra Anna Freud como o mecanismo de defesa
psíquica mais ineficaz, por tratar-se de simplesmente ignorar uma
realidade.
Corresponderia a alguém que, diante da queda de um objeto, em vez de
agarrá-lo para evitar que caísse, passasse a questionar a Lei da
Gravidade. Portanto, é chocante ter lido no domingo passado o senador
José Sarney, figura tão experiente e com carreira política tão longeva,
gastar laudas para negar uma realidade escrita na pele de quem aqui
vive.
Consideremos somente o estranho argumento de falta de validade do
IDH, principal instrumento da medição feita pela ONU do grau de
desenvolvimento dos povos, chancelado no Brasil por um órgão federal da
excelência do IPEA. Pois faltaria espaço nesta página para elencar o
total de rankings em que o Maranhão ocupa a última ou penúltima
posição: pior índice de extrema pobreza do país, menor índice de
policiais por habitante, o menor índice de médicos por habitante, menor
abastecimento de água, o penúltimo estado do Brasil em expectativa de
vida, e tantas estatísticas que enchem nossa alma de tristeza.
Infelizmente, esta longa lista não é obra de uma antipatia dos
algarismos pelo nosso estado, tampouco de uma fantástica conspiração de
todos os institutos de pesquisa do país e do mundo contra nosso querido
Maranhão. É apenas a tradução, em números, da absurda realidade que os
maranhenses enfrentam todos os dias com tanta coragem e altivez.
Para destacar coisas positivas de nosso estado, não é necessário
tentar revogar o IDH ou a lei da gravidade. Basta citar a longa lista de
indicadores que traduzem nosso imenso potencial. Temos o segundo maior
litoral do Brasil, localizado próximo aos Estados Unidos, à Europa e ao
canal do Panamá, que dá acesso ao mercado asiático; gás e ouro;
agricultura, pecuária e pesca, com bom regime de chuvas; indústrias; um
extenso território cortado por ferrovias, rodovias e um dos maiores
complexos portuários do Brasil; rios e lagos; imenso potencial para o
ecoturismo e para o turismo cultural.
Mas mesmo belas estatísticas despertam tristeza, já que contrastam
justamente com a brutal negação de direitos que marca a vida da maior
parte dos maranhenses. E como tanta riqueza é capaz de gerar tanta
pobreza? Como o estado que é o 16º mais rico do Brasil tem a penúltima
posição quando se fala em distribuição de riqueza? Como um estado que
produz mais de R$ 40 bilhões de reais em riquezas, todos os anos, tem em
seu território uma em cada cinco pessoas vivendo abaixo da linha de
extrema pobreza?
Talvez porque nem a riqueza – nem o martelo e o prego que a produzem –
consigam chegar às mãos dos que trabalham. Denunciar essa realidade não
é desamor pelo Maranhão. Esse argumento, de inspiração fascista e
semelhante aos da ditadura militar, tenta negar o direito de a oposição
se manifestar livremente. Não tenho ódio pessoal contra ninguém, mas sou
imbuído de uma profunda indignação com tantas injustiças, e defenderei
eternamente o nosso direito de lutar por um Maranhão que não veja a sua
riqueza ser subtraída em tenebrosas transações, como canta Chico
Buarque.