Na semana dedicada às mulheres, a AMMA divulga uma história de vida que deve servir de exemplo e inspiração para todas as gerações. Força de vontade, coragem e muita dedicação aos estudos foram os principais ingredientes que fizeram com que a menina nascida em uma fazenda em Viana, filha de um vaqueiro e que só aprendeu a ler aos 10 anos de idade, se tornasse magistrada estadual no Maranhão. Nesta entrevista, conheça a emocionante história de vida da juíza aposentada Conceição Mendonça.
AMMA - Historicamente, as mulheres foram e ainda são vítimas de preconceito e menores oportunidades de trabalho. Como a senhora conseguiu vencer essas barreiras e chegar a magistrada estadual?
Conceição Mendonça - Com muita adversidade, estudo e esforço consegui ultrapassar os obstáculos, que não foram poucos. Mais que uma maratona, só que, diferente do herói grego com esse nome, cheguei e continuei viva.
AMMA - Conte um pouco da sua vida, a senhora enfrentou muitos obstáculos até conquistar o sonho de ser magistrada?
Conceição Mendonça - Sou uma sobrevivente. Nasci em uma fazenda, do meu avô, nos campos de Viana, numa família de sete irmãos. Meu pai era seu vaqueiro (recebia como pagamento um bezerro de cada quatro que nascia), trabalhava de antes das seis até o por do sol. Como não havia escola próxima, só aprendi a ler aos 10 anos de idade. Estudei o primário em Viana. Juntamente com uma irmã, viemos continuar os estudos em São Luís. Viajávamos de lancha, por dois dias, vez que não havia estrada, morando em pensionato, estudei no Liceu Maranhense à tarde. Num gesto impensado de adolescente, casei aos 16 anos e tive minha primeira filha aos 17. Com muito sacrifício, consegui concluir o ginásio num colégio noturno de bairro, fiz em seguida o curso normal. O marido se formou em medicina e resolveu trabalhar no interior do estado, onde fiquei sem estudar por 11 anos. Quando nos separamos, com 34 anos, voltei a morar em São Luís. Frequentei por três meses o “Curso José Maria do Amaral”, fiz vestibular para Direito na UFMA, passei em 5º lugar.
AMMA – E como se deu o seu ingresso na Magistratura e as dificuldades que enfrentou?
Conceição Mendonça - Passei no concurso do Ministério Público em 1987, onde fique por dois anos e meio, em seguida fiz concurso para a Magistratura em 1989. Apesar de ter obtido a 5ª maior nota e ser classificada em 6º lugar, fui nomeada para a pior comarca do Maranhão naquela época, Cândido Mendes. Não havia estrada, o Fórum funcionava numa casa cedida pelo chefe político, a energia elétrica vinha de uma usina, das 18 às 22 horas (quando faltava óleo, passava até mais de 15 dias sem funcionar), apenas um canal de televisão, telefone numa cabine pública, os funcionários eram cedidos pela Prefeitura, (despreparados), usávamos máquina de escrever, vinha a São Luís uma vez por mês (no avião que levava dinheiro para pagamento dos aposentados ou de carona nos que conduziam o prefeito e seus familiares). No Judiciário maranhense prevalecia o nepotismo com parentes de alguns desembargadores em determinados cargos sem qualquer habilidade ou competência, tratando alguns juízes de forma arrogante e desrespeitosa. Passei por mais duas entrâncias, até chegar a capital
AMMA - Na sua avaliação, quais os principais problemas que as mulheres que abraçam a carreira da magistratura enfrentam? As dificuldades de 10 ou 20 anos ainda são as mesmas de hoje?
Conceição Mendonça - Penso que a grande dificuldade é conciliar o trabalho, iniciado sempre numa comarca do interior do estado, com a criação e educação dos filhos, o marido, além da falta de segurança e violência de níveis alarmantes nos municípios do Maranhão. Hoje, as cidades tem melhor estrutura, há estradas com asfalto, os fóruns são em prédios próprios, há computadores, internet, telefone, funcionários concursados, uma Associação dos Magistrados dirigida por juízes, que dão apoio quando necessário (antes, era sempre por um desembargador), Temos o CNJ para corrigir abusos e injustiças, há frenquentes cursos preparatórios e de aperfeiçoamento pela ESMAM. Quando iniciei, sequer o Tribunal nos reuniu para dar alguma orientação. Enfim, mudou muito, para melhor.
AMMA - Na sua avaliação, quais os principais problemas que as mulheres que abraçam a carreira da magistratura enfrentam? As dificuldades de 10 ou 20 anos ainda são as mesmas de hoje?
Conceição Mendonça - Nenhum caso que me marcasse. Soube me impor e desempenhar meu trabalho com autoridade. Pouquíssimas reclamações ao Tribunal, às vezes por algum político inconformado com o resultado das urnas. Tive problemas com colegas magistrados, um chegou a chamar o delegado da cidade e determinar que não cumprisse minhas ordens, fui cientificada, orientei-o para que pedisse essa ordem por escrito, não deu e todas minhas determinações o Sr. Delegado sempre as cumpriu. Também um desembargador, aqui em São Luís, chegou a telefonar para o oficial de justiça, mandando que não cumprisse um mandado de prisão expedido por mim contra um amigo. Resisti e consegui me impor, assim o mandado foi cumprido.
AMMA - A senhora se aposentou da Magistratura, mas ainda se mantém ativa em várias frentes, inclusive como diretora de Aposentados da AMMA. É um desafio sair da magistratura e, ao mesmo tempo, se manter ativa em outras frentes?
Conceição Mendonça - De forma alguma é um desafio me manter ativa. Ainda tenho energia suficiente, conhecimento e experiência para continuar contribuindo. Como diretora do núcleo dos aposentados, participo regularmente de reuniões e atividades da AMB em Brasília, tenho contato com juízes aposentados de todo o Brasil e aqui em S. Luís atuo na diretoria da AMMA direcionada aos aposentados e pensionistas.
AMMA - Que conselhos a senhora dá para as mulheres que pretendem seguir a carreira da magistratura, mas que desistem diante de alguns obstáculos, tais como trabalhar no interior, abrindo mão de estar com os filho e marido?
Conceição Mendonça - Não devo dar conselhos, cada uma deve ponderar o custo benefício de iniciar a carreira na Magistratura, que é sempre no interior do estado, por muitos anos, com a criação dos filhos e convivência com o marido. O que não dá é para fazer de conta. O trabalho é árduo e deve ser dedicação exclusiva durante toda a semana. Sempre trabalhei assim, morava nas comarcas. Mesmo naqueles em que havia estradas, vinha a São Luís de 15 em 15 dias, apenas nos fins de semana. Aqui, fui convidada para ensinar em faculdades, recusei em razão do volume de trabalho na Vara onde era titular.
AMMA - Quais são os seus sonhos de vida agora que está longe dos processos? Há muito ainda a conquistar?
Conceição Mendonça - Não dá mais para fazer planos a longo prazo. Creio ter realizado bastante. Fui o primeiro membro da magistratura maranhense a fazer curso em uma universidade da Europa, em Coimbra, 2002/2003. Tenho pós graduação e outros cursos aqui no Brasil, fiz também uma Pós Graduação em Psicanálise. Viajei pelo Alasca, América do Norte, América do Sul, Europa toda, África, Oriente Médio (na Síria, estive em cidades, das mais antigas do mundo, Alepo e Damascos).
Quero continuar atuando junto aos aposentados e pensionistas, algum trabalho voluntário, convivência com a família, curtir mais os netos (tenho uma de quatro meses), frequentar curso de línguas para não esquecer o inglês, francês e italiano que estudei. Faço yoga, pilates, participo de um grupo de meditação, continuar viajando aqui no Brasil e exterior. Pretendo, também, fazer um curso de curta duração na Europa, relacionado à cultura, como artes, decoração, culinária ou outro e escrever um livro, comprei um bom computador para isso, falta começar. Enfim, como naquela música, “se chorei e se sofri, o importante é que emoções eu vivi”.
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