segunda-feira, 2 de maio de 2016

Márlon:"saio da magistratura feliz e motivado para dar os passos que sonhei"

 
Após 19 anos dedicados à magistratura estadual maranhense, Márlon Reis é, agora, um cidadão comum. Nesta terça-feira (26), ele divulgou uma carta de despedida aos colegas magistrados (leia aqui) e reuniu a imprensa para anunciar que deixou a magistratura a fim de seguir novos passos, que incluem o exercício da advocacia, uma possível militância político-partidária e maior participação nas ações dos movimentos sociais. Idealizador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Márlon Reis concedeu entrevista à AMMA, na qual fala das experiências adquiridas na magistratura, as quais pretende levar para toda a vida. Fala, também, sobre as suas aspirações futuras e avalia o atual momento da política brasileira.


AMMA – O senhor deixou de ser juiz por vontade própria. O que o levou a tomar a decisão de voltar a ser um cidadão comum sem as prerrogativas inerentes à magistratura?
Márlon Reis - A magistratura, ao mesmo tempo que concede àquele que detém o cargo uma grande gama de garantias e prerrogativas, ela também apresenta uma série de limitações. Ao mesmo tempo que garante ao juiz uma série de proteções para que ele possa julgar com isenções, a lei cobra que o magistrado não se pronuncie sobre determinados temas, limitando a sua liberdade de expressão. São muitas as atividades que o juiz é proibido de exercer, como, por exemplo, ingressar em associações civis, participar de movimentos organizados, integrar a direção de entidades que não sejam de representação profissional, dentre outras limitações. Acontece que tenho recebido, cada vez mais, convites para projetos importantes que demandam justamente a superação dessas limitações. Isso veio crescendo ao longo do tempo, até se transformar em algo sobre o qual eu deveria decidir. E faço com muita saudade dessa atividade que abracei e desenvolvi com muito afeto nos últimos 19 anos. Por outro lado, saio da magistratura bastante feliz e motivado em busca de realizar e dar os passos com os quais eu sempre sonhei.

AMMA – E que passos são esses? Advocacia, participação na política partidária, envolvimento nas causas dos movimentos sociais?
Márlon Reis - Eu diria que você acertou os três pontos. Profissionalmente eu troco a magistratura pela advocacia. Abraço a advocacia como profissão com a finalidade de exercitar o conhecimento na área que eu mais me desenvolvi, que é o direito político, em especial o direito eleitoral e o direito partidário. Eu começo advogando para a Rede Sustentabilidade Nacional, que é um partido novo, mas que se apresenta com uma importância muito grande no cenário, com possibilidades concretas de disputas no plano federal. Vou colocar meu conhecimento jurídico à disposição desse partido e, também, advogar para outras pessoas do partido, desde que sejam causas com as quais eu efetivamente tenha afinidade.

AMMA – Ainda na condição de magistrado, o senhor já tinha uma certa atuação nos movimentos sociais, inclusive foi o idealizador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. E, agora, há pretensão de ampliar este espaço de atuação?
Márlon Reis – Sim. Pretendo atuar muito fortemente no campo social, mantendo o que eu já vinha fazendo. Vou receber do presidente do Conselho Federal da OAB, Cláudio Lamachia, a designação para representar a OAB no Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que eu idealizei. Eu sempre representei a magistratura, inclusive eu vinha representando ultimamente a Associação dos Magistrados Brasileiros no Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e, agora, passarei a representar a OAB. Essa é justamente uma boa representação que uso para exemplificar que vou mudar de profissão, mas não vou mudar nada do que faço. Vou continuar no MCCE fazendo o mesmo de sempre.
AMMA – O senhor tem planos para uma atuação no campo da política partidária, ou ficará apenas restrito a advogar para a Rede de Sustentabilidade?
Márlon Reis - No campo político, pretendo apoiar a Rede em nível nacional para o seu desenvolvimento e, também, aqui no estado do Maranhão, vou apoiar no que eu puder para organizar o partido.
AMMA – Mas essa sua atuação junto à Rede de Sustentabilidade inclui, também, a possibilidade de se candidatar a algum cargo eletivo pelo partido?
Márlon Reis – Isso não está descartado. Todo mundo que participa da política e observa a política pode vir a ser chamado para participar de um processo eleitoral, só que não é essa a razão da minha saída da magistratura. Entretanto, não descarto essa possibilidade. Se a candidatura a um cargo eletivo de qualquer forma vier a colaborar com o nível do debate político no Maranhão e no Brasil, eu posso tomar essa decisão, sim.

AMMA – Todos conhecem a atuação do Márlon Reis magistrado. Mas antes da magistratura, o senhor teve alguma aspiração política?
Márlon Reis - Desde a adolescência eu já me interessava por exercer liderança de turma. Lembro que quando do processo nacional Constituinte, eu com 16 anos, já me interessava pelo assunto, comprava livros, revistas, participava das discussões. Muitas vezes deixei de ir ao futebol com os garotos da minha idade para acompanhar aquele processo. Então, desde muito cedo eu tinha a sensação de acompanhamento da vida pública, de dar valor às atividades desenvolvidas na vida pública. Inclusive, fiz parte de movimentos estudantis, fui voluntário em campanhas eleitorais como apoiador, ainda muito jovem, quando estudante universitário. Nessas atividades vi tanta coisa de ruim e errada, dentre as quais a compra de votos no interior. Em 1990, quando a gente chegava para pedir votos para Conceição Andrade [candidata ao Governo do Estado], as pessoas pediam dinheiro. Eu era voluntário, tinha 20 anos àquela época e estava viajando com o Jeferson Portela, hoje secretário de Estado, éramos muito novos, idealistas. E foi justamente esse tipo de experiência que fez com que depois que de me tornar juiz pensasse em tentar alguma forma de melhorar a lei eleitoral. Então me aproximei desses movimentos que lutavam por eleições melhores.

AMMA – Qual foi a sua experiência partidária antes de ingressar na magistratura? Foi filiado a algum partido?
Márlon Reis - Eu fui membro do Coletivo Gregório Bezerra, que foi uma organização de esquerda que pretendia se tornar um partido. Depois, embora não fosse filiado, tive uma aproximação com o PT, na época do romantismo, começo da década de 90. Logo depois entrei na magistratura, me afastando completamente da vida política partidária desde então. Agora retomo com muito mais vivência, muito mais sabedoria, experiência e reconhecendo que política não é algo feio e nem um ‘bicho-papão’. Nós todos deveríamos e devemos nos apropriar desse espaço, justamente para retomá-lo de mãos que ocupam, indevidamente, muitas posições atualmente.
AMMA – Que lições positivas o senhor aprendeu na magistratura e que servirão para os novos caminhos que irá trilhar daqui por diante?
Márlon Reis – A magistratura serviu muito para me ensinar uma série de lições, por exemplo, a tolerância, o limite, isso de escutar o outro e sempre ouvir os dois lados antes de tomar uma decisão. São lições que eu levarei para sempre. Eu precisava muito disso por razões pessoais. Eu quero crer que eu saio da magistratura, depois de quase 20 anos, uma pessoa melhor, no sentido de reconhecer com mais facilidade os meus limites. Porque a magistratura nos apresenta a visão mais crua e nua dos problemas sociais. Nós acabamos nos enxergando naquilo que chega até nós. Julgar um processo que trata de violência sexual seguida de assassinato de uma criança de quatro anos de idade, como eu já tive a oportunidade, são coisas que vão nos dando certeza da imperfeição humana e, ao mesmo tempo, da necessidade de aprimoramento. A magistratura foi uma escola que me proporcionou ensinamentos inesquecíveis e preciosíssimos.
AMMA – Qual a análise que o senhor faz, agora não mais magistrado, do atual contexto político brasileiro?
Márlon Reis - Como todo brasileiro eu estou muito preocupado com o cenário atual. Embora eu ache o impeachment uma medida exagerada, eu tenho que admitir que o PT é o principal causador dos seus próprios problemas, ao fazer alianças pragmáticas no lugar de alianças programáticas que ele pregava no passado e ao estabelecer uma relação do Executivo com o parlamento baseada em interesse. O maior responsável pelos problemas que o PT enfrenta hoje é ele próprio, que se afastou dos movimentos sociais que lhes deram origem e passou a fazer aliança preferencial com os grupos que agora o derrubam do poder. Foi o PT quem exaltou essas lideranças que já estavam, inclusive, no ocaso e estes foram exaltados para dar um suporte que funcionou no passado e que agora é a própria causa da derrocada deste partido. Eu acredito que o PT sofreu um golpe irreversível e que nunca mais será o que foi antes.

AMMA – E sobre os principais protagonistas do impeachment, qual a sua avaliação?
Márlon Reis - Esse grupo que chega ao poder com o impeachment é destituído de legitimidade social e ele sofre das mesmas desconfianças, sobre o tema da probidade, que acometem o governo atual. Ele vem com vários líderes nacionais também investigados na mesma operação e destituídos da mínima legitimidade. As pesquisas de opinião demonstram que a sociedade também gostaria de ver o impeachment do vice-presidente e  apontam que apenas 2% da sociedade votariam em Michel Temer para a Presidência.
AMMA – E qual seria então a solução para resolver a anunciada ilegitimidade do vice na Presidência do país, caso ocorra o impeachment?
Márlon Reis - Não estou falando isso para absolver o PT dos graves erros que eu próprio o acuso, mas eu acho que o melhor mecanismo não é o impeachment. Há outras formas de se enfrentar a questão. Inclusive, eu acho que a palavra está com a própria Justiça Eleitoral, que foi chamada a discutir se houve ou não abuso de poder econômico na eleição não só da Dilma, mas da chapa Dilma e Temer. E sobre essa questão a sociedade espera que, em breve, haja uma resposta. Desta forma podem ser alcançados os dois [Dilma e Temer] e, mesmo que haja o impeachment, o processo no TSE vai continuar contra o Temer. Os processos já existem e aguardam julgamento. A meu ver, novas eleições seriam a melhor solução, porque dariam a possibilidade de subir à Presidência alguém com legitimidade de voto. A lei determina que nesses casos haja eleição em até 40 dias após a cassação.

AMMA – O senhor falou muito sobre política nesta entrevista, o que não poderia fazer se ainda fosse magistrado. Então, como se sente, agora, longe da toga?
Márlon Reis – Eu agora me sinto um homem livre!.

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