segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

As pessoas no centro do planejamento da rede de transportes das cidades

 
Iniciativas do Reino Unido apontam que o futuro da mobilidade se baseia na análise de dados sobre as necessidades de transporte da população
12 de Dezembro, 2016 Parece difícil de acreditar, mas os ingleses não estão completamente satisfeitos com o transporte público de Londres.  A primeira desilusão é com o custo, que é alto e representa cerca de 20 % da renda familiar. Duas em cada três pessoas acreditam que o transporte precisaria ser mais barato e melhor. Apesar da cidade contar com uma rede ampla e extensa de transportes com capacidade de realizar 11 milhões de viagens diárias, as pessoas gostariam de mais. “Isso significa que as pessoas são complexas, mas precisam ser ouvidas”, disse Sofia Taborda, líder de projetos de mobilidade da Future Cities Catapult.
Essas percepções dos cidadãos são importantes para identificar quais iniciativas agradam as pessoas e atendem suas necessidades. “Os sistemas de mobilidade inteligentes só terão sucesso se as pessoas forem incluídas nos processos”, afirma Sofia.  De acordo com a especialista, os sistemas de mobilidade desenvolvidos na cidade devem ser dirigidos pelas pessoas e informados por dados. “Nós temos que pensar nas pessoas. Olhar para a mobilidade de forma diferente”, ressalta. Identificar quais os perfis dos usuários, os seus padrões de deslocamento e o que isso significa leva às melhores opções de investimentos já que, sem essa análise, corre-se o risco de o investimento não ter o efeito esperado na melhoria da mobilidade nem na utilização desse serviço pelos usuários. “O modelo de negócio está implícito em tudo, mas o sistema precisa ser bom para todo mundo: operadores, governo e cidadãos”, afirma Sofia.

Sofia Taborda, líder de projetos de mobilidade da Future Cities Catapult (foto: Caroline Donatti/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

É claro que novas ideias são bem-vindas, mas é preciso avaliar até que ponto a cidade está preparada para a inovação que, implementada de forma desconectada, tem pouco impacto na melhoria geral da mobilidade. A inovação deve estar atrelada a uma visão de cidade e à capacidade de viabilizar e executar. A criação e implementação de uma ideia nova na mobilidade precisa considerar o desempenho da cidade nos índices de qualidade de vida. Os líderes locais devem olhar esses números com cuidado e atenção, buscando sempre tomar decisões que sejam guiadas por esses dados. “Temos que reduzir as necessidades de mobilidade em vez de criar outras formas de mobilidade individual e pensar em como essas tecnologias podem facilitar novos paradigmas”, comenta Sofia. Os carros elétricos e autônomos podem ser uma opção de tecnologia de transição, mas não vão resolver o problema dos congestionamentos e podem até piorá-lo.
Um modelo de gestão metropolitana
Manchester, no noroeste do país, possui 2,7 milhões de habitantes: cinco milhões na área metropolitana. “Manchester foi um dos primeiros locais que se combinou com outras prefeituras. Eram municípios separados e se formou uma única prefeitura para satisfazer as necessidades de transporte da população”, afirma Rafael Cuesta, diretor de inovação da empresa de trânsito de Manchester (Transport for Greater Manchester). O conjunto de municípios recebe um orçamento do governo federal para planejar a mobilidade de forma integrada.
Além de uma organização metropolitana, a cidade está se organizando rápido para planejar o futuro e continuar garantindo crescimento econômico sustentável, qualidade de vida e proteção ao meio ambiente. As projeções de crescimento da cidade indicam que, até 2040, a cidade terá mais de 3 milhões de habitantes e mais de 800 mil viagens diárias adicionais na rede de transporte. O transporte é responsável por um terço das emissões de carbono e a cidade pretende reduzir 48% deste valor até 2020. “Para garantir o equilíbrio da cidade frente a essas rápidas mudanças, precisaremos de inovação”, afirma Rafael. As ruas e avenidas são sobrecarregadas pelo excesso de viagens de transporte individual: 60% das viagens com menos de 2 km são feitas por carros; 40% com transporte público; o transporte a pé e de bicicleta representam apenas 2%. “Estamos trabalhando para melhorar as tecnologias para produção de carros e trens que facilitem as conexões até 2020. A oferta de tecnologia traz benefícios e temos que aproveitar isso”, conta Rafael.

Sede da Future Cities Catapult (foto: Caroline Donatti/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

O ponto positivo dessas mudanças no cenário da cidade é que na Europa e no Reino Unido cada vez menos pessoas querem dirigir porque o status de ter um carro diminuiu. “As pessoas hoje têm muito mais interesse em um telefone. Isso traz grande oportunidade para o transporte coletivo, mas precisamos ter qualidade”, menciona Rafael.
O especialista também traz uma nova abordagem para pensar as redes de transportes da cidade. Antigamente, o transporte era planejado por áreas, por distritos. As novas estratégias pensam em outras formas de organizar o sistema de transporte da cidade, que tem como foco as pessoas e não os lugares. O transporte em si perde valor se não for conectado às necessidades das pessoas e deve ser visto como apoio para a economia e os cidadãos. “O modelo de inovação vem da experiência do cliente. Se não vai de encontro aos seus desejos, significa que não vai funcionar. Temos que levar em conta o consumidor e precisamos de parcerias e de colaboração”, explica Rafael. Os modelos comerciais de soluções muitas vezes não são bem-sucedidos, pois não são centrados no cliente.  
O foco de Manchester agora é desenvolver e implementar um sistema de mobilidade integrado. A cidade, em conjunto com a Future Cities Catapult, está coletando informações por meio de sensores e aplicativos para entender quais são as necessidades da população. O projeto, ainda em fase de testes, pretende reestruturar a mobilidade da cidade como se fosse um serviço. “Os nossos clientes querem uma operação com apenas um clique de um ponto a outro. A jornada precisa ser totalmente integrada, com informação precisa e base confiável. Como usamos análise de dados, podemos ser proativos na gestão e na administração da rede”, afirma Rafael.
A grande área de Manchester também utiliza dados abertos, pois só assim a comunidade técnica consegue criar soluções inovadoras. A mobilidade compartilhada também faz parte dos planos para o futuro, assim como a ampliação da infraestrutura para carros elétricos. Hoje, a região possui cerca de 300 pontos de carregamento, mas esses pontos precisam chegar a 1000 para que a cidade reduza as emissões de carbono. Para isso, grande parte da frota precisa ser elétrica, e o compartilhamento de bicicletas, incentivado.  “Estamos tentando formatar um modelo comercial que viabilize um esquema ciclístico. Precisamos de parcerias para que esses pontos de bicicleta sejam economicamente viáveis e garantam um transporte sem emissões”, conta Rafael.
João Domingos, do Instituto Pelópidas Silveira, de Recife, explica que a cidade está tentando operar o transporte público de forma mais integrada a partir do desenvolvimento de uma rede metropolitana em conjunto com outras 14 cidades e questionou o Transport for Greater Manchester sobre os desafios desse tipo de operação. Rafael diz que é preciso conciliar interesses: “Essa operação integrada foi criada há 30 anos e baseou-se totalmente na rede de transporte público a partir de um modelo econômico. Isso aconteceu pois houve vontade política, já que os benefícios eram compartilhados. Vontade política e diálogo entre as cidades e agências são fundamentais para que as cidades consigam integrar as iniciativas e se pronunciar como uma única voz”.
Os investimentos na melhoria da mobilidade em Manchester foram feitos a partir da criação do fundo de transportes baseado na receita da rede. “As PPPs tiveram experiências dúbias para a áreas de transporte, mas em Manchster criaram o fundo para poder ver o que ia funcionar e analisar a infra necessária para implementar”, comenta Rafael.
A missão técnica ao Reino Unido é parte do projeto Cidades + inteligentes no Brasil, realizada em parceria entre WRI Brasil Cidades Sustentáveis e Future Cities Catapult e conta com o apoio da Embaixada Britânica.  Celio Bouzada, da BHTrans; Eleoterio Codato, do Ministério das Cidades, João Domingos Azevedo, do Instituto Pelópidas Silveira (Recife), Matheus Ortega, gerente de infraestrutura do Prosperity Fund da Embaixada Britânica e Guilherme Johnson, da Future Cities Catapult,  participaram de uma viagem de cinco dias ao Reino Unido  para conhecer boas ideias de cidades inteligentes que podem inspirar os municípios brasileiros a serem mais inovadores. 

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