segunda-feira, 10 de julho de 2017

SAÍDA TEMPORÁRIA E ADEQUAÇÃO AOS NOVOS TEMPOS

                                                                           
“Não ande por onde o caminho pode te levar; ao invés, vá para onde não exista caminho e deixe um rastro”   Ralph Wando Emerson.
A Execução Penal constitui-se na última etapa em que o Estado concretiza e executa seu poder punitivo, através da atuação do Sistema de Justiça Criminal, após submeter o autor do delito ao devido processo legal e, comprovada a autoria e a materialidade delitiva, à consequência jurídica (sanção penal) correspondente, proporcional, razoável e justa. A Lei de Execução Penal, nº. 7.210, de 11 de julho de 1984, com as alterações introduzidas pela Lei Federal nº 12.258, de 15 de junho de 2010, trata do benefício da Saída Temporária em seus arts. 122 usque 125. Nos termos do art.122 da LEP, os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância, vale dizer, sem escolta, nos seguintes casos: visita à família; frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução de segundo grau ou superior, na comarca do juízo da execução; participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social. No presente artigo, abordaremos apenas a saída temporária para visita à família, objeto de nossa preocupação como cidadão e como operador do Direito. De logo, alerto que não sou contra a concessão do benefício mas favorável a alguns ajustes que não afrontam a legislação vigente e nem restringem direitos dos apenados.
                                                                                  A saída temporária objetiva o gradual retorno do reeducando (preso) ao mundo exterior, por se tratar de um dos meios facilitadores de sua reintegração social. É um mecanismo que consiste em auxiliar, colaborar na árdua tarefa de regeneração daqueles que, um dia, desvirtuaram-se dos padrões socialmente estabelecidos, incutindo-lhes sentimentos ligados à moral, à ética, aos valores de justiça social, etc (FOGAÇA). Na lição de Renato Marcão, autor de obras sobre Execução Penal, visa-se com tal benefício o fortalecimento de valores ético-sociais, de sentimentos nobres, estreitamento de laços afetivos e de convívio social harmônico pautado por responsabilidade, imprescindíveis para a reinserção do sentenciado. A visita à família, como dito, é um dos motivos para a autorização da saída temporária e, por razões ainda não devidamente identificadas, porquanto o artigo 124 da Lei n° 7210/1984 não especifica os períodos em que será autorizada, vem sendo concedida por quase todas as Varas de Execução do País em datas comemorativas, tais como Semana Santa; Dia das Mães; Dia dos Pais; Dia das Crianças; Natal, etc. A previsão legal é apenas a concessão por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano. Cabe ressaltar que, para obter a autorização de saída temporária, deve o preso satisfazer cumulativamente os requisitos (objetivo e subjetivo) exigidos pelos arts. 122 e 123 da Lei de Execução Criminal, ou seja cumprimento da pena em regime-aberto, cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; e boa conduta carcerária. Com o crescimento desenfreado da população carcerária no Brasil, esse benefício vem se tornando um sério problema para o Sistema de Segurança, visto que é cada vez maior o número de apenados que são colocados em liberdade, na mesma data, impactando seriamente nos índices de criminalidade, além de deixar a população apreensiva.
                                                                                  Segundo o Anuário de Segurança Pública, a população prisional do país não para de crescer há décadas. Atualmente, o Brasil tem o quarto maior número de pessoas atrás das grades: são 622.202 presos. Número menor apenas de países como os Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237). Os números do nosso Estado apontam essa mesma tendência. Consoante o último Relatório Mensal, relativo ao mês de maio, do Grupo de Monitoramento do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça do Maranhão, chegamos a uma população carcerária de 12.476 detentos, sendo que 3.116 estão cumprindo pena em regime aberto, o que se conclui que temos 9.360 pessoas, efetivamente, encarceradas, a despeito de todos os esforços de reversão desse quadro, como a implantação das Audiências de Custódia, que visam atender o Pacto de São José da Costa Rica assim como o art. 282 do CPP, que trata dos requisitos da necessidade e adequação para aplicação das medidas cautelares. Segundo dados da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos- SMDH, o crescimento da população carcerária gira em torno de uma taxa média de 12%, ao ano. A Secretaria de Administração Penitenciária-SEAP alerta que a taxa de crescimento anual da população carcerária do Complexo Penitenciário de Pedrinhas é de 20%. Para se ter uma ideia do significado desses números, a população carcerária do nosso Estado, em 2013, era de 5.564 internos, quando a curva de crescimento iniciou a sua tendência de alta acentuada, ou seja, estamos quase que dobrando o número de presos em apenas 05 anos. Verificando os dados da ONG mexicana Conselho Cidadão pela Seguridade Social Pública, São Luís está entre as 50 cidades mais violentas do mundo, segundo ranking internacional publicado, levando-se em conta o número de homicídios de 2015.  Na verdade, São Luís está em 21º lugar e é a sexta cidade brasileira do ranking com maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes em 2015. A taxa média da capital maranhense foi de 53,05 homicídios por 100 mil habitantes. De outra banda e para nossa satisfação, o Centro de Apoio Operacional
                                                                                  Criminal - CAOP CRIM do Ministério Público Estadual vem constatando uma tendência de queda dos homicídios na Região da Grande Ilha de São Luís nos últimos dois anos, i.e, a partir de 2015.  Naquele ano, o número de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIS = homicídios, latrocínios, lesão corporal seguida de morte qualquer outro evento em que ocorra a morte violenta intencional) somaram 1016 mortes, importando no percentual de 72,1/100 mil habitantes/ano; no ano seguinte, 2016, 858 CVLIs, ou seja 60,89/100 mil habitantes/ano. Em 2017, até o mês de maio, em dados já consolidados pelo CAOP CRim, já somam 302 CVLIs , numa taxa de 21,43/100 mil/ano, apontando, ainda,  uma  tendência de queda. Ainda estamos longe dos níveis de suportabilidade sugeridos pela OMSOrganização Mundial de Saúde que é de 10 mortes violentas, anuais, para cada grupo de 100 mil habitantes. Como temos uma população, aproximada, na Grande Ilha de São Luís, de 1.400.000 habitantes, os números teriam que se aproximar de 140 mortes violentas intencionais por ano. Só até o mês de maio do ano fluente, já superamos o dobro dos índices exigidos. Há muito o que se fazer ainda. Retornando a discussão sobre a concessão da Saída Temporária, a última autorização se deu no dia Dias das Mães, através da Portaria n° 009/2017, da Vara de Execuções Penais de São Luís, quando foram beneficiados 551 presos. Esse contingente corresponde a quase duas UPRs 1 (Unidade Prisional São Luís), que possui 337 custodiados, ou uma UPR6 (Unidade Prisional São Luís) com 605 presos, ou ainda, arredondando, 5% da população carcerária do Estado. As informações e dados estatísticos dos órgãos de Inteligência do Ministério Público Estadual; da Secretaria de Administração Penitenciária -SEAP; da Polícia Militar do Estado do Maranhão e da Secretaria de Segurança do Estado do Maranhão – SSP-MA apontam o aumento da criminalidade nos períodos em que são concedidas as saídas temporárias. Advirta-se que não estamos falando de evasão de presos após as
                                                                                  autorizações, que gira em torno  de 8%, e de alívio de superlotação carcerária. Precisamos encarar de frente o fenômeno das facções, vez que seus integrantes são mais fiéis aos estatutos das organizações criminosas do que ao temor à lei e às consequências à sua transgressão, cumprindo ordens para eliminar adversários e realizar roubos para alimentar o caixa da orcrim, quando em liberdade. Há, portanto, a necessidade de aprimorar a concessão dessas autorizações, com a observância de requisitos objetivos e subjetivos de forma mais criteriosa para que não impacte negativamente nos índices de violência e criminalidade. Apresentamos, no dia 26 de junho pretérito, ao Tribunal de Justiça do Maranhão, uma proposta que modifica, sem restringir direitos ou afrontar a Lei Federal, a concessão da Saída Temporária em forma de escalonamento, dividindo-se os beneficiários em dois grupos, em cada unidade prisional, em períodos distintos e próximos às datas festivas em que se convencionou a conceder o benefício, obedecendo-se a ordem alfabética. Nas comarcas onde o número de presos for reduzido, esse critério ainda poderia ser alterado, com a escolha da data pelo beneficiário, a exemplo da data do aniversário de um filho; da esposa; do parto ou operação de um ente familiar etc., pulverizando as licenças e contribuindo com o Sistema de Segurança Pública. Essas duas propostas corrigiriam aberrações como a Saída Temporária do Dia das Mães ou dos Pais para aqueles que mataram e estão cumprindo pena pela execução de seus genitores. Essas soluções simples externam uma preocupação com a segurança da sociedade por aqueles que têm a obrigação de fazê-la (art. 144 da CF) e, definitivamente, findar com a impressão de desinteresse ou insensibilidade com os cidadãos, quando da concessão do beneplácito que visa tanto a reinserção social do apenado como a paz e a tranquilidade da sociedade dos moradores da Grande Ilha de São Luís.
                                                                                 
O cientista político Luiz Eduardo Soares, ao abordar o tema da violência e da criminalidade, ensina que: “Para solucionar um problema e mudar uma realidade indesejável, é preciso intervir racionalmente, o que requer o conhecimento da realidade que se quer transformar. Conhecer significa libertar a consciência de preconceitos, clichês e impressões do senso comum”. É preciso resgatar a autoridade do Estado no Sistema Carcerário e inverter a lógica perversa de que para pacificar as prisões devemos ceder às exigências daqueles que transgrediram violentamente a Lei.  Devemos sair da “zona de conforto” e experimentar novas alternativas com estratégias bem delineadas que atentem aos interesses da Sociedade.
JOSÉ CLÁUDIO CABRAL MARQUES Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal-MPM

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