quinta-feira, 26 de julho de 2018

Pierre Bourdieu e o pobre de direita, essa figura triste....

Por Rafael Alves
Estou assistindo The Walking Dead elá pelas tantas, na quinta temporada, Rick mete um balaço na cabeça de um morador de Alexandria depois de ele ter espancado uma mulher e assassinado um outro cidadão. No meio do apocalipse Zumbi os moradores decidem fazer um enterro para o cidadão morto e também para seu assassino, e Rick ralha com a decisão. Diz que assassino nenhum será enterrado dentro dos portões da cidade. Daí decidem fazê-lo fora. Minha esposa pergunta, "mas qual a diferença entre enterrar dentro e fora?", e eu respondo "toda relação humana é simbólica". E assim nasceu esse texto com minhas reflexões sobre o poder simbólico a partir de Pierre Bourdieu, sociólogo francês, que segundo as más línguas, seria o Nietzsche da ciências sociais. Já adianto que Bourdieu eu conheço pouco, o mínimo, mas mesmo este pouco me encanta. Dos teóricos clássicos que escrevem sobre o poder (Weber, Nietzsche, Foucault, Arendt e Habemas), Bourdieu se destaca por ter conduzido uma investigação bastante densa e criteriosa sobre as minúcias desta categoria filosófica. Vamos a ela. Bourdieu parte de kant e Durkheim para apresentar seu projeto sobre poder simbólico que institui a  ideia de que o poder se dá em camadas, sendo a camada da religião, da linguagem, da arte a camada estruturante, ou modus operandi. Há o opus operatum, que seria como estes sistemas estruturantes são operacionalizados. Pense em alguém que é religioso fazendo uma oração sincera para seu tumor desaparecer e você, mais ou menos compreendeu como um se relaciona com o outro.  O próximo passo de Bourdieu é fazer compreender como estes mecanismos produzem dominação de um sujeito sobre o outro, através de sistemas culturais dominantes e sistemas culturais dominados.
Ao fim o autor escreve sobre como sistemas de produção cultural ideológica legítima (portanto não criminosa ou violente) reproduz de forma irreconhecível as estruturas do campo das classes sociais. Fica mais ou menos assim: no campo social existem relações entre pessoas que colocam por exemplo, a cultura vindo da Europa, como algo a ser alcançado e a cultura vindo da África como algo a ser evitada. Muito rapidamente os sujeitos identificados como europeus se tornam melhores que os sujeitos africanos. Isso se desdobra por exemplo, nos códigos religiosos: "chuta que é macumba" e "se benze do mal olhado" . A macumba é maligna, o sinal da cruz é benigno. Ou no padrão estético: usamos terno, smoking, e vestidos rendados em festas ao invés das roupas bogolafini, roupa tradicional do mali ou boubou, modelo de roupa bastante utilizado no oeste do continente africano. E sabemos que no Brasil a influencia africana é tão grande ou maior que a europeia, com detalhe que nosso clima é mais parecido com o africano do que o europeu. Essas relações culturais que ocorrem no campo social são advindas da estrutura social do lugar, no caso aqui citado, o Brasil. O próximo passo são as categorizações entre melhores e piores, bonitos e feios, e etc, até que por fim, essas relações chegam nas estruturas maiores da sociedades e então passam a ser utilizadas para que determinados sujeitos dominem uns aos outros. Até próximo ao fim do século 19 os negros eram escravizados no Brasil e não faltavam argumentos nascidos dessas relações sociais para os crime dos crimes. Ou seja, os argumentos usados nas conversas de ruas, nos botecos, entre mãe e filho, padres e fieis, confluem até esferas politicas mais altas que acabam adotando esse argumentos e os tornando politica de Estado, e assim, perpetuando relação de poder e dominação. Uma vez tornando politica de Estado, as pessoas acabam reforçando seus argumentos cotidianos: "não sou eu que penso assim, mas os que estudam ou  que nos governam". Não nos esqueçamos também que no passado e também no presente, a ciência é formada para estes fins. Pesquisas são encomendadas para afirmar A ou B. Hoje sabemos que pesquisadores receberam dinheiro para publicar pesquisas afirmando que negros são inferiores aos brancos e que cigarros não causam câncer; amanhã descobriremos que a indústria alimentícia paga pesquisadores para dizer que agrotóxicos não faz mal, que carboidratos faz bem, ou que indústria petrolífera paga cientista para afirmar que o aquecimento global não existe. Dito de outra forma, a linguagem acaba se tornando um meio de propagação entre disputas de poder porque através de conversas simples e aparentemente ingênuas, existe uma troca simbólica, sempre muito forte e pouco evidente. Como quando você está debatendo com alguém e diz: "mas isto foi comprovado cientificamente" ou "mas foi o pastor quem disse". Você diz estas coisa na esperança de vencer o debate e fazer sua opinião ser ouvida e aceita. Por trás, o que esta sendo debatido é a supremacia do discurso cientifico ou religioso sobre a opinião do sujeito. Na serie enterrar um assassino fora dos portões da cidade tem um valor simbólico muito forte. Diz quem assassina não faz parte da comunidade de forma alguma , seja vivo ou morto, em um mundo onde zumbis são maioria  e viver fora dos portões significa a morte certa, espera-se que as conversas do dia a dia sejam mais ou menos no sentido de se comportar bastante para não ser jogado para fora dos portões da cidade, seja vivo, seja morto. E no Brasil? E no Brasil, de uns tempos pra cá, as conversas de bar, nas festas de família, nos corredores de escritórios, está rolando aquele papo manjado que saiu dos escritórios da Av. paulista para o mundo , o de que só é pobre quem não se esforça, que o estado não presta, que imposto é roubo, que a meritocracia deve regular a sociedade e toda essa ladainha que você tem escutado. Não vou falar da verdade ou falsidade da coisa toda, mas sim da disputa de poder que está por trás. Se só é pobre quem não se esforça o suficiente, isso significa que  pobre é algo próximo do vagabundo, e ser vagabundo é um defeito moral. A separação entre pobres e ricos se torna, em nível imperceptível, a diferença entre quem é virtuoso e quem não é, e então não se trata apenas de dinheiro, mas de ser alguém de quem a família se orgulha ou não. E que disse que o estado não presta, que ele só atrapalha? atrapalha de que forma afinal? Com os impostos, que agora dizem ser roubo? Quando minha mãe teve câncer e se tratou pelo SUS, o Estado ajudou e muito. Quando a mãe da minha filha e minha irmã fizeram pré-natais e seu partos pelo SUS, idem. Alguém irá dizer que o SUS não funciona, e eu preciso dizer que sim, funciona, porém pouco, por ter pouco recursos e pouco material humano. Seu problema é a falta de SUS, não o excesso do mesmo. Mas dizer que o estado não presta significa dizer que existem pessoas prejudicadas pelo Estado, como por exemplo aquele latifundiário que além dos dez litros de agrotóxicos que ele te faz ingeri por ano, quer envenenar ainda mais a sua lavoura e os legumes que você dá pro seu filho comer. Ou o dono de alguma grande empresa que contrata gente em regime análogo a escravidão e foi multado com uma indenização milionária. Fazer você acreditar que a única estrutura que teria capacidade de te proteger dessas merdas todas. E a meritocracia? voltamos para o primeiro item: se você recebe o que merece por causa de seus méritos, se voce não venceu na vida, além de vagabundo é burro, e merece a miséria em que vive, o discurso meritocratico nos faz engolir, sem perceber, a ideia perigosa de que algumas  pessoas merecem uma vida miserável, sem perspectiva, sem muita felicidade, porque é muito difícil ser feliz quando a alimentação esta comprometida. Quando jovem morei no interior de São Paulo, em frente um lixão que estava nascendo, e para comer verduras, plantávamos, e para comer carne, meu avô, fazia armadilhas de passarinho. E não foi uma época mágica da minha vida, do tipo: " eu era feliz e não sabia". era uma bosta e desta experiência toda não aprendi porra nenhuma. Do resultado desta combinação de argumentos críveis, nasce a figura do pobre de direita, um pobre diabo, que repete mantras saídos de livros de Coaching empresarial. Mas uma nova religião do século 21, sem perceber que por trás de seu discurso, ele esta advogando contra si. E a carga simbólica do que ele diz, neste momento em que vivemos, esta se tornando politica de Estado. Carlos Marum, articulador politico de Temer propõe o fim SUS gratuito; já foi aprovada a reforma trabalhista e o fim do imposto sindical ; grita-se pela privatização das nosssa riquezas nacionais. O Pobre de direita aplaude tudo isso, alguns gritam "Bolsomito" sempre que podem, e nenhum deles percebe que toda relação de poder social acontece em conversas simples, do dia dia, e que é o seu discurso que fará ele, pobre de direita, morrer pobre, talvez de esquerda, porque se é verdade que o comunismo não deu certo em lugar nenhum do mundo, me aponte um lugar aonde o neoliberalismo deu certo também. Vou ficar esperando as respostas, enquanto observo você, pobre de direita, continuar reclamando que as passagens de avião ficaram mais caras, que não consegue mais pagar seu plano de saúde, que a gasolina chegou a cinco reais, o quilo de carne não para de subir.

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