quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Documentário resgata entrevista histórica com Darcy Ribeiro perdida há décadas


“Da terra dos índios aos índios sem terra”, dirigido por Zelito Viana, conta com Marcos Palmeira e Sebastião Salgado
Documentário conMarcos Palmeira: "Tudo o que o Darcy dizia sempre me fazia pensar, mesmo que, às vezes, eu discordasse. Ele me trouxe muitos pensamentos sobre a questão indígena, sobre os povos originários." - Uma entrevista com Darcy Ribeiro, dada como perdida por conta de um incêndio, foi resgatada e, agora, depois de 45 anos, será revivida no documentário “Da terra dos índios aos índios sem terra”, que conta com narração do ator Marcos Palmeira, fotografias de Sebastião Salgado e música de Egberto Gismonti.

O responsável por esse grande encontro é o cineasta Zelito Viana, expoente do movimento Cinema Novo. Diretor do documentário, Viana é o autor da entrevista resgatada com Darcy Ribeiro na década de 1970.


Filho do diretor, Marcos Palmeira conta que “ficou fascinado” ao ter acesso à conversa do pai com o antropólogo. “Eu tenho muito orgulho desse resgate que a gente está fazendo nesse momento, orgulho de poder trazer as palavras de Darcy Ribeiro através do olhar do meu pai, que sempre enxergou o Brasil profundo", relata.


O longa será lançado no dia 31 de outubro, às 19h40, no Canal Brasil, e deve circular por outras plataformas depois da estreia. A produção é uma homenagem ao antropólogo, que completaria 100 anos nesta quarta-feira (26).

Darcy entre os Urubu-Kaapor, Maranhão, 1949 / Acervo Fundação Darcy Ribeiro

“Vai falar com Darcy”

“Na época [1970] eu ganhei um concurso da Embrafilme para produzir uma série sobre a situação dos indígenas no país. Mas eu não sabia nada a respeito. Só sabia o que havia aprendido na escola, que é muito pouco”, conta Viana em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato.

“Como eu não sabia nada, meu amigo Leon Hirszman mandou eu falar com Darcy", acrescenta o diretor.

Zelito Viana diz que foi, então, conversar com o antropólogo e fez uma pergunta básica: “o que eu tenho que saber sobre índio?”.

A resposta “fortíssima” durou 1h30min, foi gravada e transcrita. A fita foi destruída em um incêndio, e o registro escrito estava perdido. Foi durante a pandemia que o cineasta encontrou a transcrição.

“Quando li de novo a conversa, pensei: ‘vou dar pro Marquito ler’ ", relata Zelito Viana, ao se referir ao seu filho, Marcos Palmeira. “Aproveitei dessa condição de pai, ora”, brinca o diretor.

O ator conta que conheceu Darcy Ribeiro por intermédio dos pais. Ele confidencia que tudo o que o Darcy dizia sempre o fazia pensar, mesmo que, às vezes, discordasse. "Ele me trouxe muitos pensamentos sobre a questão indígena, sobre os povos originários", explica Marcos Palmeira.

Além de Darcy Ribeiro, o documentário conta também com o antropólogo Gersem Baniwa, indígena da etnia Baniwa, filósofo e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).


Baniwa integrou o Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2016 e esteve à frente da Coordenação do Conselho da Educação Escolar Indígena (CGEEI), no Ministério da Educação.

Momento da captação da entrevista com Gersem Baniwa / Divulgação

Ensinamentos de Darcy

Perguntado sobre o que ele guarda da conversa com Darcy Ribeiro, Zelito Viana recorda uma comparação sobre o modo de vida indígena.

“Darcy defendia que a nossa arte é muito elitista. Vangloriamos muito Beethoven, Bach, Picasso… E tudo isso é feito para pra uma elite muito pequena. Já a sociedade indígena defende que todo mundo faz arte, todo mundo canta, todo mundo dança. Na nossa sociedade só uns poucos têm esse privilégio", compara.


Zelito Viana lamenta que muito do que foi debatido na entrevista original ainda sejam de questões pendentes no país de hoje. “O filme que eu fiz na década de 1970 era justamente para denunciar a dificuldade dos indígenas para demarcar terras, e hoje estamos passando por esse mesmo cenário. Eu não consigo entender", pontua.


Frustrado com o atual cenário, Viana desabafa: “Parece até uma perseguição racista. Talvez seja isso, o Brasil é um país racista. O país viveu 300 anos num regime escravocrata, e a gente ainda tem isso, a escravidão introjetada. Uma coisa horrível.”

O cineasta chega a brincar e diz que “tem que dar um banho de sal grosso no Brasil pra ver se faz a cabeça das pessoas.”

Ao mesmo tempo, Zelito Viana aponta avanços consideráveis da década de 1970 para cá. “São mais de 100 mil universitários indígenas, por exemplo. Isso é incrível. Hoje, vemos deputados indígenas defendendo os interesses da comunidade no STF [Supremo Tribunal Federal]”.

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