terça-feira, 22 de julho de 2025

Especialistas defendem sociobiodiversidade como modelo mais sustentável de desenvolvimento


Aldo Rebello e Denise Hills apontam que a inclusão social integra pilares de sustentabilidade

A defesa da sociobiodiversidade como modelo de desenvolvimento sustentável que concilia justiça social, proteção ambiental e soberania nacional marcou a abertura do evento “Transformar Juntos”, promovido pelo Sebrae em São Luís (MA). O painel inaugural reuniu Aldo Rebello e Denise Hills, duas das principais vozes brasileiras nos debates sobre ESG, meio ambiente e desenvolvimento inclusivo, com mediação de Deives Picáz (Pacto Global da ONU) e participação especial do ator e ativista ambiental Mateus Solano.

Sob o tema “Sustentabilidade: Desafios e Oportunidades”, o painel provocou reflexões profundas sobre o papel do Brasil na transição para uma economia mais verde, mas também mais justa e soberana. A tônica das apresentações foi clara: não existe sustentabilidade real sem inclusão social e geração de oportunidades para todos.

Desenvolvimento com justiça social, produção e soberania
Aldo Rebello, jornalista, escritor e ex-ministro de Estado, destacou que o Brasil possui um dos marcos regulatórios ambientais mais avançados do planeta – o Código Florestal Brasileiro – e que é possível proteger o meio ambiente sem comprometer a produção nem excluir a população do processo de desenvolvimento.

Rebello foi enfático ao apontar as contradições da Amazônia Legal: “Não é aceitável que a região com as maiores reservas naturais do planeta concentre também os piores indicadores sociais do Brasil. Falta água tratada, luz elétrica, infraestrutura básica. Isso não é preservar – é omitir-se diante da desigualdade.”

A Amazônia Legal é a área que engloba nove estados brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. Em todos eles a mesma situação, existência de riquezas naturais e potenciais projetos a serem explorados convivendo com os piores índices de desenvolvimento e de qualidade de vida.

Segundo o ex-ministro, usar a riqueza natural para promover qualidade de vida é não apenas legítimo, mas necessário. Ele criticou o que chamou de “dois blocos ambientais”, estabelecidos desde a Conferência de Estocolmo em 1972, que limitariam o crescimento dos países em desenvolvimento em nome da preservação ambiental, perpetuando desigualdades globais.

“A sociobiodiversidade é o caminho mais sustentável porque alia a proteção da natureza à valorização das pessoas. Temos que garantir acesso à infraestrutura, educação, qualificação e empregos dignos para quem vive nas regiões mais ricas em recursos naturais. Preservar não é incentivar ou normalizar a pobreza, é superá-la com justiça e oportunidades produtivas”, reforçou Rebello.

“É preciso fazer uso das novas tecnologias em prol das pessoas do meio ambiente. Há de se pensar em profissionais como engenheiros ambientais por exemplo, que devem existir não para serem militantes de ONGs internacionais contrárias a nossa soberania, mas para fazerem a diferença com seu conhecimento em empresas e em fazendas; onde devem orientar como melhorar processos e como gerar mais divisas para o país através da produção com responsabilidade ambiental. Não se criou essas profissões de técnicos para proibir a atividade econômica, nem para impedir a produção, multar ou coibir o desenvolvimento; mas sim para educar e ajudar a desenvolver o país com responsabilidade” finalizou ele.

Sociobiodiversidade: a única via sustentável com desenvolvimento e inclusão social

Denise Hills, referência internacional em sustentabilidade e ex-presidente da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, concordou com as posições de Rebello e foi categórica: “O modelo de desenvolvimento a ser defendido é o da sociobiodiversidade. Não existe sustentabilidade boa que exclua as pessoas.”

Com vasta experiência em finanças de impacto e liderança em grandes empresas como Natura e instituições financeiras, Denise destacou que o mercado já entende que a agenda ESG é uma escolha estratégica por competitividade. “O consumidor está cada vez mais exigente. O futuro será dos negócios que usarem inovação e tecnologia para promover melhorias reais na vida das populações mais vulneráveis. O meio ambiente não é um obstáculo para o desenvolvimento.”

Ela citou a Natura como um exemplo concreto de como empresas podem ajudar a melhorar a vida de pessoas das comunidades e ao mesmo tempo produzir com respeito ao meio ambiente.

“Quando eu trabalhei na Natura, fui à Amazônia e conheci 89 lugares diferentes, onde a empresa tinha parceria com as comunidades. E foi marcante quando um produtor de ativos naturais que a empresa usa em sua perfumaria, me disse que antes da chegada da empresa, lá não tinha nada, só a floresta, que nem ele entendia bem sua riqueza e não sabia porque devia preservar. Foi através da parceria entre a comunidade e a empresa, que eles aprenderam a manejar melhor a floresta e dela extrair, de forma sustentável, os produtos que a empresa compra. E a comunidade passou a ganhar o triplo do que conseguiam antes, quando só desmatavam a floresta“ comentou.

Denise reforçou a tese de que não há modelo de desenvolvimento justo e eficaz que pensa apenas no meio ambiente esquecendo o social e a qualidade de vida das pessoas. “É preciso estimular um desenvolvimento que leve as pessoas junto e sem deixar ninguém pra trás. A gente não tem problema na economia global de gerar valor econômico, mas a gente ainda tem problemas imensos em distribuir valor. Essa vulnerabilidade social também deixa a natureza ainda mais vulnerável.” disse.

Segundo ela, a agenda ESG é acima de tudo uma escolha por competitividade. E isso inclui também promover o equilíbrio social. “Não dá mais para se ter um negócio lucrativo se ele não for também sustentável. O futuro competitivo será dos negócios resilientes; e que se faça uso das tecnologias e da inovação em prol da melhoria da qualidade de vida das pessoas mais vulneráveis. E isso passa por encarar o meio ambiente como algo a favor, é isso a sociobiodiversidade” concluiu Denise Hills.

Ela citou como outro exemplo positivo, o da empresa que, associada ao governo local e a bancos, financiaram a transformação de pastagens em culturas diversificadas, que têm óleo de palma associado à biodiversidade. Em quatro anos, essa pastagem degradada na Amazônia - e que era de baixa produtividade - se transformou em um projeto lucrativo de agricultura, com safras de alta produtividade, e que incluiu também o plantio de mandioca e feijão. A empresa contribuiu com essa transição e hoje, as pessoas dessa comunidade recebem muito mais pelo metro quadrado, e ainda ganham por todos os carbonos que não foram para o universo.

Com esses exemplos, Denise reforçou que há muitas oportunidades de projetos empresariais que podem combater os riscos da desigualdade ambiental e social: “A vulnerabilidade social aumenta a vulnerabilidade ambiental. Não podemos mais dissociar essas agendas.”

Um novo pacto entre natureza e sociedade

Denise Hills e Aldo Rebello, são ambos nomes de peso no cenário ambiental e da sustentabilidade corporativa, e reforçaram um consenso: o Brasil tem condições únicas para liderar um modelo de desenvolvimento baseado na sociobiodiversidade, valorizando suas comunidades tradicionais, promovendo inclusão produtiva e garantindo a preservação de seus biomas com uso consciente de suas riquezas naturais.

“Ou o desenvolvimento brasileiro se dará de forma justa, inclusiva socialmente e ambientalmente responsável, ou não será sustentável de fato” apontaram os especialistas.

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