Olavo de Carvalho, filósofo de
expressiva produção nas questões brasileiras, afirmou, em artigo publicado no
Jornal da Tarde (07/01/1999), que "Democracia não é concórdia: é uma
maneira inteligente de administrar a discórdia".
Os recentes acontecimentos na
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) são um exemplo que se amolda a essa
afirmativa. A reivindicação legítima de alunos pela implantação da residência
universitária dentro do campus transformou-se em algo que extrapolou todas as
condições de legalidade, bom senso e boa convivência que até o presente momento
têm marcado esta administração. A resposta inicial à mesa de diálogo que
oferecemos foi a paralisação de diversas atividades da UFMA, incluindo aulas,
funcionamento do restaurante universitário, que atende diariamente seis mil
pessoas (almoço e jantar), inclusive interdição do trânsito da Avenida dos
Portugueses, que dá acesso a dezenas de bairros e a indústrias. Não satisfeito,
um grupo postou-se em frente de minha residência com buzinaços e palavras de
ordem.
Todos são cientes de que desde o
primeiro momento do movimento reivindicatório feito por um grupo de alunos
houve espaço e acolhimento para o diálogo. Até mesmo com os jovens que foram
vítimas de uma impensada greve de fome e que chegaram a passar a semana
internados no Hospital Universitário (HU), fiz questão de ir até eles, ouvi-los
e oferecer-lhes uma palavra amiga. Mais que isso. Medidas concretas foram
tomadas e a principal delas foi a Resolução Consun 191, ad referendum (de
03/12/2013), que determina a construção de um prédio na Cidade Universitária
que abrigará 120 estudantes (60 homens e 60 mulheres). Em paralelo, a fim de
apresentar uma solução imediata, sugeriu-se o aluguel de mais um prédio no
Centro de São Luís, que ampliaria as acomodações atuais. Além disso, criou-se a
Pró-Reitoria de Assistência Estudantil, que administrará todas as políticas
públicas de assistência aos estudantes.
Em reunião ainda no início da semana
com todos os interessados e com outros importantes representantes de
instituições como OAB, Ministério Público, representantes da Assembleia
Legislativa e Procuradoria da UFMA, explicou-se que o prédio reivindicado
imediatamente está em fase de finalização para o propósito de servir à comunidade
universitária com variados serviços, pois ali estava previsto funcionar o
Centro Multidisciplinar de Assistência Estudantil, projeto incluso no Plano
Diretor Institucional - PDI, aprovado pelo Conselho Universitário. Por isso
mesmo, não se prestaria para o fim de alojamento, tendo em vista que não
oferece condição arquitetônica para tal, como foi explicado por equipe de
engenheiros.
Mesmo diante de argumentos tão
sólidos, os manifestantes não quiseram atender ao diálogo até que, na última
quinta-feira, a reitoria tomou a iniciativa, com o intermédio do Ministério
Público Federal no Maranhão (MPF/MA), de celebrar um acordo que estabeleceu a
cessão do prédio reivindicado para que nele passe a funcionar provisoriamente a
residência universitária. Mas, para que esse acordo seja possível e que aquele
espaço seja ocupado temporariamente, estabelecemos algumas condições: a)
pareceres favoráveis do MEC/CONJUR, TCU, CGU; b) viabilidade financeira, com a
elaboração de informações técnicas e levantamento de custos; c) pareceres
técnicos. Também nos dispusemos a implantar melhorias no sistema de inscrição
para moradia estudantil, possibilitando inscrições ao longo do ano, bem como a
manutenção permanente do local. Ao mesmo tempo, a construção de uma Residência
Universitária no próprio Campus já está assegurada. Seguiremos todos os
trâmites legais para que o projeto logo se torne realidade.
Quero deixar registrado que, durante
todo o período de negociação, tratei os manifestantes com respeito e
serenidade. A mesa de negociações sempre esteve aberta, na qual o exercício da
tolerância e o do respeito entre todos puderam ser expressos, conforme exigem
as regras básicas de convívio de uma sociedade democrática.
Esse episódio me fez lembrar que em
junho deste ano, em São Paulo, iniciou-se um movimento que pretendia contestar
o aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus. Durante semanas seguidas,
milhares de pessoas foram às ruas e o movimento captou, a partir da questão
imediata que atingia a sofrida mobilidade urbana na megalópole, toda uma
enxurrada de sentimentos e percepções da população, que abrangia educação,
saúde, segurança, direitos estes básicos que cabe ao Estado prover. O movimento
metamorfoseou-se e ganhou o país inteiro mediante um efeito poderoso que, por breve
momento, provocou reflexões, avaliações e ensaios de mudança pelos diversos
excessos flagrados, misturados aos legítimos manifestantes.
A lição aprendida por certos grupos
de toda essa recente efervescência social é a de que, para qualquer tipo de reivindicação,
o caminho mais rápido para que consigam o que querem é, na maioria das vezes, a
imposição de sua agenda intransigente que, salvaguardada por uma razão
alucinada, retira a racionalidade, a fala - substituída pelo grito acintoso e
intimidador - para colocar contra a parede toda uma comunidade. O direito dos
que clamam - às vezes legítimo - se torna um aríete contra o direito de todos.
Nessas situações, a negociação, que é parte importante em toda sociedade
civilizada, dá lugar a uma espécie de estado de natureza, como alerta Hobbes.
Mas, num Estado Democrático de
Direito, junto à livre expressão, impera a legalidade. Esforçamo-nos, atentos
aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, para atender
as reivindicações dos manifestantes, sem esquecer que é preciso agir com
equilíbrio e sensatez em todas as ocasiões.
Doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro do IHGM, da AMM, AMC e AML
Publicado em 08/12/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário