sábado, 28 de março de 2020

A (nova) escolha de Sofia

O ttulo deste artigo remete ao romance de William Styron (1979), que narra o drama de uma polonesa chamada Sofia que, presa com dois filhos pequenos em campo de concentração de Auschwitz, durante a II Guerra,  desafiada a escolher qual das crianas ser salva. A trama virou filme, em 1982, e rendeu a Meryl Streep, que viveu a personagem no cinema, o Oscar de melhor atriz. Ser que a humanidade est diante novamente de uma deciso nesses parmetros? Escolher pela sobrevivncia de alguns ou pela preservação de negcios e empregos?

Diariamente, somos, de um lado, bombardeados por opinies diversas acerca de manter ou no a quarentena, com a adoção do chamado isolamento vertical, como j vem defendendo o mercado, ou com as previses trgicas acerca do futuro da economia, pelos inmeros fechamentos de pequenos negcios, milhares de desempregados, finanas combalidas. Do outro lado, a falta de estrutura hospitalar e de cuidados necessrios, caso a doena assuma proporções maiores, com inevitvel e consequente ceifa de milhares de vidas. Cada argumento  ilustrado com grficos e nmeros, palavras de especialistas e explicações comparativas com outras epidemias.

No mundo, o enfrentamento se d de diferentes maneiras. A Irlanda, por exemplo, anunciou que vai estatizar todos os hospitais privados para que os pacientes possam se tratar sem custos. Israel decidiu monitorar remotamente os cidados. Itlia e Frana adotaram duras medidas de distanciamento social, da mesma forma como procedeu a China. O Egito e a Arbia Saudita adotaram toque de recolher. Nos Estados Unidos, a Califrnia e Washington comearam a achatar a curva, diferente de Nova York, o epicentro da pandemia. A Fundação Bill e Melinda Gates investiu cerca de 500 milhes de dlares para serem aplicados em pesquisas cientficas e testes para o novo coronavrus.

Grfico produzido pela Universidade Johns Hopkins e disponibilizado, diariamente, pela BBC, deu conta de que, at a ltima quinta-feira, dia 26.03, quando esta crnica ainda estava sendo escrita, meio milho de pessoas j haviam sido infectadas globalmente e 22.993 j tinham morrido. Aqui no Brasil, os nmeros tambm so

alarmantes. Segundo os dados informados at a ltima quinta-feira, dia 26, a contagem marcava 2.915 casos confirmados, com 78 mortes no pas.

Diversas instituições foram para a linha de frente do esclarecimento da população, a exemplo da Academia Nacional de Medicina, cujo legado histrico  marcado pelo engajamento em importantes temas e experincias no combate s epidemias. Afinal, do alto de seus 190 anos, a ANM presenciou momentos de crise e sempre atendeu ao chamado do servio, da informação e da prevenção. Em didtico vdeo publicado em diversas mdias sociais, nosso presidente Rubens Belfort chamou atenção para o carter democrtico do vrus, que atinge pessoas de todas as idades, ao contrrio dos desavisados que insistem em restringir a doena ao grupo da população idosa. Belfort recomendou isolamento, cuidados bsicos de higiene, orientação e proteção e comparou o vrus a “areia fina em vento forte”. Em trabalho igualmente relevante, a Sociedade Brasileira de Infectologia tem publicado diariamente, em seu site, uma srie de informativos, e, num de seus principais alertas, de forma sensata, confirma que nosso pas est “(...) numa curva crescente de casos, com transmisso comunitria do vrus e o nmero de infectados est dobrando a cada trs dias.

Tambm concordamos que devamos ter enorme preocupação com o impacto socioeconmico desta pandemia que pe em risco os empregos e o sustento das famlias. Entretanto, do ponto de vista cientfico-epidemiolgico, o distanciamento social  fundamental para conter a disseminação do novo coronavrus, quando ele atinge a fase de transmisso comunitria. Quando a COVID-19 chega  fase de franca disseminação comunitria, impe-se a maior restrição social possvel, com o fechamento do comrcio e da indstria no essencial e a proibição de aglomerações humanas. Por isso, essa medida est sendo tomada em pases europeus desenvolvidos e nos Estados Unidos da Amrica, respaldados pela comunidade cientfica mundial e pela Organização Mundial da Sade (OMS).

Bill Gates, que  um defensor ardoroso da cincia, tambm entende que o isolamento social  uma das formas mais eficazes de se lidar com o problema, e prega que, a longo prazo, a economia se recuperar, com a necessria preservação de vidas neste momento. Todos ns, que fazemos cincia, tambm nos inserimos no grupo de profissionais de sade que est na dianteira desta dura batalha. Infelizmente, antes da vacina e do remdio adequado, no h outra forma de evitar a disseminação.

O escritor Yuval Harari publicou interessante artigo, na ltima semana, no jornal Financial Times, com repercusso em centenas de outros jornais. Harari, um dos pensadores modernos mais festejados da atualidade, chamou a atenção para o caminho que o mundo ir percorrer ps-pandemia. Vigilncia totalitria e empoderamento do cidado; isolamento nacionalista e solidariedade global so alguns dos temas com que a humanidade ir se defrontar, na viso do escritor. E recomenda: “Se escolhermos a solidariedade global, ser uma vitria no apenas 2 contra o coronavrus, mas contra todas as futuras epidemias e crises que possam assaltar a humanidade no sculo XXI.”

Solidariedade, pacincia e persistncia so as qualidades que podem nos ajudar a superar a pandemia e a vivermos novamente com normalidade. A esperana est alicerada no conhecimento e na pesquisa cientfica. As nossas Universidades, a FIOCRUZ, o Instituto Oswaldo Cruz, os Hospitais Universitrios da rede EBSERH e tantos outros so exemplos de que o investimento na cincia  o melhor caminho. Que Deus nos proteja.

Natalino Salgado Filho Mdico, doutor em Nefrologia, Reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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